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«A Beira Interior é uma região promissora na produção de vinhos de grande qualidade»

Cara a Cara – Rodolfo Queirós

P- Que radiografia faz ao setor vitivinícola na região da Beira Interior?

R- Este sector foi o que mais se notabilizou nos últimos anos, mas nem sempre foi assim. Quando, em 1999, comecei a trabalhar na Comissão Vitivinícola Regional da Beira Interior (CVRBI) notei que as pessoas, do cidadão comum à restauração, hotelaria, poder político, etc., tinham vergonha dos nossos vinhos. E, salvo raras exceções, efetivamente tinham razão. Existia um sector cooperativo que vivia quase exclusivamente da venda de vinhos a granel, com baixo valor acrescentado e o sector privado tinha na altura muito poucos operadores. Gradualmente, o paradigma foi mudando e hoje podemos orgulhar-nos de produzir na Beira Interior vinhos muito reconhecidos em concursos, em revistas da especialidade, em Portugal e nos mercados mais exigentes do mundo. Hoje, as pessoas da Beira Interior já têm orgulho nos vinhos que produzimos.

P- Tem-se registado um crescimento na qualidade dos vinhos da região da Beira Interior? A que se deve?

R- A um conjunto variado de fatores, dos quais destacaria a massa crítica atualmente existente na região. Quando comecei a trabalhar na CVRBI havia 12 produtores, hoje há 55. Apostou-se também na reestruturação das vinhas com a utilização de castas e técnicas vitivinícolas mais consentâneas com o que de melhor se faz no mundo. Houve ainda uma aposta na qualificação dos recursos humanos através de uma nova geração de enólogos, em conjunto com a vinda de enólogos já consagrados noutras regiões que ousaram trabalhar numa região pouco conhecida. Esse crescimento deve-se igualmente ao esforço da direção e do corpo técnico da CVRBI, que tem feito o possível para que a região cresça. As parcerias com algumas instituições, como o NERGA, contribuíram para que a Beira Interior começasse a ser reconhecida e respeitada por todos, destacando-se como uma região promissora, de presente e futuro, na produção de vinhos de grande qualidade.

P- Qual a área de vinha da região e a sua produção?

R- Existem cerca de 16 mil hectares de vinhas e produzimos aproximadamente 23 milhões de litros de vinhos por ano, mas certificamos apenas 6 milhões.

P- Qual a percentagem de exportação?

R- A região exporta 22 por cento dos seus vinhos certificados para os cinco continentes.

P- Quais são as castas dominantes?

R- Nas vinhas mais antigas e tradicionais (com mais de 20 anos), predomina a Rufete, Marufo, Fonte Cal, Síria e Arinto. Nas vinhas reestruturadas nos últimos 15 anos, há Tinta Roriz, Touriga Nacional e Touriga Franca, Jaen, Trincadeira, Síria, Fernão Pires, Arinto e algumas castas internacionais como a Syrah, Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay, Riesling, etc.

P- Qual a função da comissão vitivinícola?

R- A CVR da Beira Interior tem três funções: Controlo, Certificação e Promoção dos vinhos com Denominação de Origem Controlada (DOC) Beira Interior e Indicação Geográfica (IG) Terras da Beira. As pessoas não sabem muito bem o que fazemos, mas quando se bebe um vinho DOC Beira Interior, ou um vinho IG Terras da Beira, há por trás há um trabalho intenso de fiscalização dos nossos associados (desde as vinhas, às adegas, até à prateleiras dos supermercados), de grande exigência na certificação dos vinhos através de análises laboratoriais muito rigorosas e de provas na nossa câmara de provadores para se aferir das qualidades do produto. Temos um painel de 12 provadores, todos com formação específica em análise sensorial de vinhos, em deteção de aromas, em defeitos em vinhos, etc, que são muito importantes na garantia da qualidade e genuinidade dos produtos vínicos da região e que se regem por um conjunto de regras claras e objetivas para que a decisão saída da câmara de prova seja feita de forma transparente e percetível pelos nossos associados. Há uma rastreabilidade total do processo de certificação. Anualmente provam-se, sempre em prova cega, mais de 500 vinhos na nossa câmara de provas.

P- Quantos engarrafadores e produtores há na região?

R- Neste momento 55 e até ao início das vindimas penso que chegaremos aos 60. Temos produtores em concelhos mais tradicionais e com mais expressão na região, como Pinhel, Figueira de Castelo Rodrigo, Fundão e Covilhã, mas também temos produtores na Sertã, em Proença-a-Nova e Castelo Branco, só para citar alguns exemplos. Em termos de vinhos regionais, a região abrange 20 concelhos dos distritos de Castelo Branco e Guarda.

P- Quais são as expetativas para os próximos anos?

R- Nos próximos anos a aposta continuará a ser a de marcar presença em eventos nacionais e internacionais que nos deem visibilidade e criem oportunidades de negócio aos nossos associados, porque o nosso objetivo é duplicarmos as vendas num horizonte temporal inferior a 10 anos.

P- Qual é a importância do setor vitivinícola na economia regional?

R- Este sector agrega cerca de 6.000 vitivinicultores (grande parte deles pequenos) e apesar do valor pago pelas uvas não ser de todo o que se deseja, há a perceção que, com o caminho que se está a fazer ao vendermos mais vinho certificado, o valor pago aos viticultores será tanto maior quanto mais vinhos certificados se venderem. Atualmente, o sector movimenta mais de 12 milhões de euros por ano.

P- O que falta fazer para afirmar ainda mais os vinhos da Beira Interior?

R- Há muito a fazer ainda na restauração e hotelaria da região para que tenham cada vez mais vinhos nossos nas suas cartas, por exemplo. Há um trabalho que me parece essencial que é a criação da rota dos vinhos da Beira Interior, que agregará não só o vinho, mas funcionará como o elemento agregador, se quiser “a locomotiva” que puxará outros sectores e produtos dos quais destacaria o enoturismo, o turismo termal, a hotelaria e restauração da região, as aldeias históricas e outros produtos endógenos de excelência que temos, como o queijo (Serra da Estrela, Beira Baixa, Castelo Branco), os azeites, os enchidos, (a morcela da Guarda) a amêndoa, o mel, etc.

Perfil:

Profissão: Diretor técnico da Comissão Regional Vitivinícola da Beira Interior

Idade: 41 anos

Currículo: Licenciado em Engenharia Agrícola pela Escola Superior Agrária de Viseu, pós-graduação em Marketing de Vinhos Escola Superior Agrária de Ponte de Lima. Coordenador da Câmara de Provadores da CVRBI. Júri de prova em vários concursos de vinhos. Formador na área da viticultura, enologia e análise sensorial.

Naturalidade: Marco de Canaveses

Livro preferido: “Equador”, de Miguel Sousa Tavares

Filme preferido: “O Resgate do Soldado Ryan”, de Steven Spielberg

Hobbies: Jogar futebol, estar com a família e amigos, viajar, ler.

Rodolfo Queirós

Sobre o autor

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