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A arte numa casca de noz

José Matos, mais conhecido por “santeiro” de Vila Franca das Naves, cria presépios em miniatura

José Matos é homem simples e na humildade de um recanto de Vila Franca das Naves, no concelho de Trancoso, cria emoções materializadas em qualquer tronco ou pedaço de madeira. Para o artesão, aliás, o “santeiro” de Vila Franca, como é conhecido, o Natal acontece todos os dias numa casca de noz na sua garagem improvisada de oficina de carpinteiro.

Ali, este antigo chefe de estação de caminhos de ferro recria vidas, sentimentos, afectos, coisas do dia-a-dia e de paz. Sorridente, afável e perfeito contador de histórias de vidas passadas nos 73 anos de idade, o “santeiro” acolhe em miniaturas feitas com minúcia e gesto delicado, para o “abrigo” frágil de um simples casquinha, as figuras do presépio José, Maria e o menino Jesus. José Matos nasceu em Muge. Ainda menino mudou-se com a família para Alcaide, concelho do Fundão, localidade com quem se identifica desde os três anos de idade. A vida levou-o a lidar com os comboios e ferrovias durante 40 anos em Viseu, Mangualde, Queluz, até chegar a Vila Franca das Naves, onde acabou por se radicar depois de 28 anos como chefe de estação. «A vida é uma constante viagem, andei por todo o lado e aqui vim aportar e lancei a âncora», afirma.

Mas já lá vai o tempo em que a vila bulia por causa da estação ferroviária, dos autocarros, dos táxis e da natural azáfama de malas e sacolas, de gente que vai e vem. Tudo se modificou desde então e hoje são reduzidos os comboios que páram na localidade, que perdeu para Celorico da Beira a sua importância de outrora, a ponto de actualmente nem sequer ter pessoal. José Matos foi, em 1996, o seu último chefe de estação. Neste ambiente de recordações, mas também na vontade intensa de viver, o “santeiro” cria um mundo muito seu, na solidão de um espaço onde se acotovelam santos, composições esculpidas com formão e navalha, mas também umas couves a um canto, prateleiras de tintas, uma cena de tourada esquecida no pó, mas que promete recuperar. E presépios, muitos mesmo, alguns a caminho de Milão, na Itália, onde figuram na exposição internacional daquela cidade.

A aventura começou quando, certo dia, vendo comer nozes, imaginou que aquele pequeno espaço poderia servir de abrigo às figuras da Sagrada Família. Pouco depois nasceram os presépios, que hoje se encontram espalhados um pouco por todo lado. Apesar de reduzidas dimensões, José Matos leva um dia para “alojar” a família de Belém numa simples casca de noz. Já as figuras requerem muita minúcia para nascerem de pedaços de freixo, amieiro, tília e castanheiro, enquanto as tintas, também estudadas pelo próprio, vestem os santos a preceito. Esta arte já viajou para Espanha, França, Alemanha, Inglaterra e, além mar, para os Açores e Brasil, tendo despontado quando, em 1996, Paulo Trindade, conselheiro das Nações Unidas, encomendou a primeira peça: um Santo António.

Mas foi 1998 o ano do início desta actividade artesanal, pela qual arranca aos informes pedaços de madeira as formas mais reais que a força de um gesto pode criar. José Matos define-se apenas como um «homem que gosta de fazer coisas com gosto e sentimento» e não se crê um artista, «apesar de outros assim se chamarem», refere. Por entre evocações e lembranças, o artesão é agora chefe de uma outra estação, a de uma vida dedicada aos seus santos e presépios. E assim nasce a arte num contínuo Natal de todos os dias, abençoado pelos santos e pelo engenho de um homem dos comboios.

José Domingos

Trabalho do artesão José Mendes já viajou para Espanha, França, Alemanha, Inglaterra e Brasil

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