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A arte do possível

Editorial

1. Como se percebeu nos dias 15 e 16, nos últimos anos o país focou-se na melhoria das contas públicas, no esforço da redução do défice, no cumprimento das regras do euro e na recuperação financeira, mas abandonando o território. A falta de investimento público, de ordenamento e de políticas de coesão e desenvolvimento levaram ao abandono do campo, à promoção do êxodo rural e ao despovoamento do território. Como se viu dia 15, as Beiras arderam pela força das chamas, pela intensidade do calor e a falta de humidade, mas também porque o país abandonou há muito o campo e as populações. Ou seja, a política, ou os políticos, não cumpriram ao longo de anos um dos desideratos mais nobres da sua função: promover a arte do possível em prol do bem comum. Portugal ardeu como nunca, numa tragédia brutal, porque durante o último quarto de século os políticos não cumpriram a sua obrigação para com a população. Morreram 45 pessoas na região das Beiras por completa incapacidade do Estado e das instituições, por descoordenação, por falta de bombeiros profissionais, por falta de tudo… e temos de o repetir todos os dias para que ninguém se esqueça, para que os políticos, na arte do possível, planifiquem e mudem as políticas de gestão do território.

2. Álvaro Amaro, que há quatro anos ganhou aproveitando a divisão socialista e a desolação geral pelo estado anémico a que o concelho chegou nos últimos anos de Valente, deixou desta vez muito mais promessas. Se há quatro anos prometeu reabrir o Hotel Turismo, o que não se concretizou, para este mandato Amaro partiu com várias certezas e algumas promessas – muitas na sequência lógica da planificação do anterior mandato (e no pressuposto que o assunto Hotel já estará resolvido, mas ainda não está…). Se os primeiros quatro anos foram de muita festa e romaria, para este mandato Álvaro Amaro vai manter a matriz e apostar por deixar uma marca mais intensa e material para o futuro do concelho. Os Passadiços do Mondego ou o elevador da Torre dos Ferreiros serão apostas na atração turística, o “Quarteirão das Artes” espera-se que seja mais do que retórica e contribua para recuperar a capitalidade cultural da Guarda, as instalações da Comissão Vitivinícola deverão inaugurar uma nova dinâmica, mas será a sede da CIM a mais relevante âncora (em entrevista a O INTERIOR o presidente reeleito afirmou categoricamente que a conquista da sede da Comunidade das Beiras e Serra da Estrela foi o mais importante do mandato). Ainda em obras, os antigos Paços de Concelho deverão receber a sede da mais importante instituição regional, a partir de onde o presente e o futuro da região serão definidos. Aliás, se no mandato anterior Amaro «abdicou» de presidir à CIM em prol da construção de uma unanimidade à volta da localização da sede, para este mandato espera-se não apenas a confirmação da Guarda como sede regional, mas também que o presidente da Câmara da Guarda assuma a liderança da CIM – o que será determinante para o futuro da região. O anúncio da instalação do Centro de Tecnologia e Inovação no Centro Histórico da Guarda, cujo perfil ainda não é completamente conhecido, poderá ser uma oportunidade para a revitalização da zona de S. Vicente, não pelo lado há muito anunciado e defendido da recuperação e requalificação da cidadela, mas através da instalação de serviços e movimento de pessoas. Não havendo fundos para estradas, o autarca assumiu a construção da ligação da rotunda da “Ti Jaquina” à Viceg como uma via estruturante que será construída com brevidade e esqueceu-se da urgente resolução dos problemas de tráfego da Av. de S. Miguel e da ligação que anunciou há quatro anos da Viceg ao bairro Nª Srª de Fátima e Sequeira (com a construção desta, retiraria mais de 30 por cento do trânsito caótico da Av. de S. Miguel e da ligação desta à Rua da Sequeira, onde se chega a demorar mais de um quarto de hora para percorrer 200 metros). Mas foi o anúncio de medidas de apoio à economia e ao emprego, nomeadamente com a instalação de um gabinete para a captação de investimento, que gerou mais satisfação, até porque esse foi um dos pontos fracos do anterior mandato e com mais críticas durante a campanha: a falta de atração de empresas e criação de emprego (o mandato começa com uma péssima notícia: o chumbo do investimento de 8 milhões na Coficab). Os próximos quatro anos deverão ser muito diferentes, com mais dinamismo, mais empreendedorismo e a confirmação de que os primeiros anos serviram para preparar o terreno para «um grande mandato». E com oposição, porque, ao contrário do anterior mandato, em que não houve oposição, Álvaro Amaro conta com o debate, a discórdia e o antagonismo para aprofundar e «reforçar a cultura democrática»…

Luis Baptista-Martins

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