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A água é um bem essencial

Editorial

Nove meses depois, finalmente a natureza poderá recuperar alguma “normalidade” com a chegada das primeiras chuvas desde março.

A seca e todas as vicissitudes e consequências deixaram nas últimas semanas a Península Ibérica desperta para um problema há muito identificado, ainda que pouco reconhecido no dia-a-dia: a escassez de água será cada vez maior em Portugal e Espanha. Pior, os territórios áridos irão crescer de forma continuada, a desertificação será cada vez mais efetiva e para contrariar o óbvio é urgente tomar medidas – nomeadamente na melhor gestão e poupança de água, enquanto bem essencial, e na capacidade de armazenamento. Dizem os especialistas que irá chover menos, mas com mais intensidade, logo, há que ter mais albufeiras, mais capacidade de armazenagem, melhor tratamento, para haver água disponível por mais tempo.

O atual contexto obriga-nos a recordar que o Plano Nacional da Água que define a gestão das águas e prossegue três objetivos fundamentais: a) a proteção e requalificação do estado dos ecossistemas aquáticos e dos ecossistemas terrestres no que respeita às suas necessidades de água; b) a promoção do uso sustentável, equilibrado e equitativo de água de boa qualidade, com a sua afetação aos vários tipos de usos tendo em conta o seu valor económico, baseada numa proteção a longo prazo dos recursos hídricos disponíveis; e c) «a mitigação dos efeitos das inundações e das secas». E obriga-nos a concluir que, em anos normais, quando a pluviosidade é elevada e as temperaturas são moderadas, facilmente se consegue fazer a gestão equitativa do consumo de água, o problema é em anos de seca em que fica em evidência a falta de promoção do uso sustentável da água.

Por outro lado, as relações luso-espanholas em matéria da água começaram a ser definidas pelo Tratado de Limites, celebrado entre Portugal e Espanha em 1864 definindo o regulamento relativo aos rios limítrofes entre ambos os países. Desde então outros convénios desenvolveram a relação e o aproveitamento hidroelétrico e o uso da água nos rios internacionais. E é graças a esses convénios, ao seu cumprimento, e à colaboração na sua vigilância pelas instâncias europeias, que Espanha não tem aumentado os transvases de água de norte para sul (o plano espanhol pretendia transferir águas dos rios Douro para a bacia do Tejo e desta para o Guadalquivir e Guadiana e assim irrigar a Andaluzia) foi travado pela pressão portuguesa e europeia. Mesmo assim, os rios internacionais chegam a Portugal com cada vez menos água que fica retida nas albufeiras espanholas. Mas ao mesmo tempo que reclamamos com os espanhóis por nos “roubarem” água, os portugueses gastam como se não houvesse amanhã. E não promovemos o seu armazenamento.

Em abril de 2016, o Governo anunciou o cancelamento da construção das barragens do Alvito, no rio Tejo, que abrange os concelhos de Castelo Branco e Vila Velha de Ródão, e de Girabolhos, no rio Mondego. Ou seja, o atual Governo cancelou duas barragens importantes no aproveitamento hidroelétrico, mas, mais importante no atual cenário, com extraordinária capacidade de armazenamento de água para consumo. Cancelou a construção da barragem de Girabolhos (Gouveia/ Seia), a partir de onde seriam facilmente abastecidos nomeadamente os concelhos de Nelas e Mangualde, e indemnizou em milhões a Endesa, à qual tinha sido adjudicada a construção. Como todos sabemos, neste momento os concelhos de Viseu, Nelas e Mangualde não têm água. Enquanto vemos a Barragem do Viriato seca com o risco de a água deixar de correr nas torneiras da Covilhã, mais gente se pergunta pelo abandono de outras barragens que nos irão fazer muita falta no futuro.

Luis Baptista-Martins

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