A esquerda meteu água. Tanta água que faz lembrar a do aluno que, tendo feito um exame de primeira época tão mau, tão mau, foi reprovado pelo professor com efeitos extensivos à segunda. Neste caso, para além do óbvio embaraço do chumbo, a esquerda herdou já um problema bicudo para daqui a cinco anos. Mas isso são contas de outro rosário.
Embora a culpa não seja para aqui chamada, é minha opinião que não há inocentes na histórica derrota da esquerda em eleições presidenciais. A primeira desde o 25 de Abril. Vamos por partes:
O Partido Socialista, principal motor da máquina eleitoral, meteu os pés pelas mãos, hesitou, disse e desdisse e acabou a apoiar, envergonhadamente, um candidato no qual deixou de acreditar logo no início da corrida.
O seu candidato, o Dr. Mário Soares, viu-se na estrada com pouca gasolina e sem carros de apoio e não teve a coragem de desistir. Merecia um fim de carreira com outra dignidade.
O outro candidato, o Sr. Manuel Alegre, acreditou que tinha chegado a sua hora, contra tudo e contra todos, contra o sistema e contra o partido que lhe tem dado o pãozinho a comer nos últimos trinta anos. Conclusão: provou mais uma vez que os populismos fáceis, recheados de lugares-comuns, não passam do chamas efémeras que dificilmente passam à história.
O PCP cumpriu a tradição de ser derrotado em presidenciais, excepto quando o Partido Socialista lhe dá boleia na segunda volta. Desta vez não teve essa sorte. Jerónimo de Sousa, no entanto, parece ter sido, de todos os derrotados, aquele que mais capitalizou (termo curioso, dadas as circunstâncias) em termos de propaganda.
À procura de propaganda andava também Louçã que, inteligente como é, já deve ter percebido que nem sempre tempo de antena equivale a lucro eleitoral.
Numa palavra, o que é que lá andaram a fazer todos estes senhores?
Os factos desta campanha eleitoral revelaram (mais) um fenómeno preocupante nesta forma de fazer política do início do século XXI: quanto mais caladinho estiver o candidato, mais probabilidades tem de vencer. Assim o fez Sócrates há menos de um ano, assim o repetiu Cavaco desta vez.
Pergunta-se: e agora? Agora aguardemos para ver, afinal, de que massa é feito o nosso novo presidente. Aguardemos para ver de que forma o PPD vai cobrar os juros ao seu candidato eleito. Aguardemos para ver se Manuel Alegre corre o risco de virar as costas ao partido que o sustentou toda a vida. Aguardemos o próximo livro de Mário Soares. E aguardemos, sobretudo, a primeira crise política da era Cavaco. Aceitam-se apostas.
Por: António Matos Godinho