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4 adágios para a imprensa de hoje

Tresler

1. Uma mão com um pé não sabem aplaudir. O mundo surpreende-nos a cada passo. A Ucrânia, de tão quente, derramou a fervura quando ainda se esperava mais tempo de negociação. E a imprensa não soube apanhar o sentido do vento, esperando e não se antecipando. O que noticiar quando um país está em ebulição? O poder instalado e legitimado apenas? Os manifestantes de rua, mesmo mascarados ou armados? Os dois lados, como qualquer manual de jornalismo ou livro de estilo sugerirá? Este o dilema-trilema da imprensa, hoje na Venezuela ou na Ucrânia, amanhã no Irão ou na Síria, em situações que demoram a condensar. É muito fácil atirar agora pedras às agências e aos jornais, sabendo que estas acusações apanham o ar do tempo, isso mesmo, a moda. Será isso que se espera de um órgão de informação, cavalgar uma revolução social? Ou simplesmente, manter-se à distância de binóculos? O tempo está mais para aplaudirmos quem já ganhou e quem esventra praças e desafia líderes. Mas a imprensa não deve aplaudir.

2.Quanto mais me distrais mais gosto de ti. São os órgãos de informação que enformam os jornalistas ao seu serviço ou podem ser estes a reorientar o caminho de uma estação de TV ou jornal? Não desconsiderando o talento de certos profissionais, é quase sempre uma linha editorial que se impõe a um jornalista, por mais qualificado e comunicativo que ele seja. No contexto atual quantos jornalistas não largam os princípios e o código deontológicos ao fazerem o seu contrato (eventualmente renovável)? Ao vermos os telejornais da TVI com os cotados José Alberto de Carvalho e Judite Sousa, pensamos imediatamente que o caminho que os telejornais fizeram desde Manuela Moura Guedes foi infinitamente menor que a adaptação que os ditos tiveram de fazer em relação à linha da própria estação. Ao ver Ana Leal a colar-se às famílias das vítimas dos estudantes mortos, ao ver Judite Sousa, após 10 minutos de noticiário, entusiasmada com os vídeos “virais” sobre Ronaldo ou com os esquemas de encontro de Julie Gayet com Hollande desenhados no mapa de Paris, percebemos quem muda quem e quem manda em quem. É a lógica do noticiário-entertainment que comanda e que os jornalistas aceitam com a sua folha de ordenados.

3. Onde vai o ferro vai a ferrugem. Se a tarefa dos jornalistas já era difícil quando eles eram reconhecidos como essenciais à informação, que dizer quando eles são ultrapassados pela ligeireza da informação fabricada na Net, sobretudo daquela que não é editada por jornalistas que sabem “traduzir” a realidade? Walter Lippmann, citado por José Manuel Fernandes, em “Liberdade e Informação”, diz-nos: «As notícias do dia, tal como chegam a uma redação, são uma mistura incrível de factos, propaganda, rumores, suspeições, chaves de interpretação, esperanças e medos e o trabalho de selecionar e ordenar as notícias é uma das tarefas realmente sagradas numa democracia». Sendo hoje possível aceder a tudo, a ilusão de fartura de informação em pequenas doses pelas redes sociais e pela Net esconde uma outra ilusão, a de que nós podemos aceder diretamente à realidade, sem mediadores especializados. É puro engano.

José Manuel Fernandes destaca também a ideia de que a procura da informação na Net nem sempre tem a ver com a gratuidade, tem também a ver com a procura de algo que não seja informação. Algo de semelhante à procura de canais por cabo nos quais muitos milhões procuram apenas entretenimento e não informação com rigor. É isso: na realidade a maioria não quer informação rigorosa e filtrada, prefere a tinta vermelha, os gritos, a pequena “boutade”, a informação lúdica.

4.Ver é atingir para além de um metro. A imprensa faz mesmo falta? Diante da real descida de importância da imprensa nos últimos anos, perpassa a ilusão de que o jornalismo acabou. Quem olha a história do Ocidente e avalia a qualidade das democracias, identifica no entanto as sociedades democráticas mais pujantes como aquelas em que a liberdade de imprensa é mais respeitada e em que há órgãos de informação que conseguiram constituir-se como parte do sistema de freios e contrapesos que uma democracia tem que ter para se desenvolver e não se deixar cair em tentações totalitárias. Como passar sem isso? Acarinhar as empresas de comunicação social, valorizar o seu papel de intermediários da realidade, só pode ter boas consequências no plano da consciencialização dos cidadãos e da sociedade, educando-os e tornando-os mais críticos, exigentes e participativos. Teoria?

No plano regional e local, impõe-se também às entidades públicas e privadas uma maior abertura da informação disponível aos media, uma efetiva igualdade de oportunidades quando se trata de atribuição de espaços publicitários, uma real capacidade de aceitar a crítica sem responder com represálias. Da parte dos media, há a necessidade de mais contraditório, de mais investigação, de mais risco, de maior atenção às realidades sociais e económicas. Sim, sim, eu sei que os jornais têm que se vender…

(José Manuel Fernandes, Liberdade e Informação, Fund. Francisco Manuel dos Santos, 2011)

Por: Joaquim Igreja

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