Muito antes de os EUA sonharem sequer que teriam um presidente mestiço, um ator negro nascido nas Bahamas (20 de fevereiro de 1927) conseguiu uma proeza impressionante: um Óscar de Hollywood pelo melhor desempenho masculino em “Lírios do Campo”.
Ocorreu em 1963, por acaso no ano em que Martin Luther King fazia um dos mais belos discursos de todos os tempos, declarando em Washington que «sonhava com um mundo onde os homens não pudessem ser julgados pela cor da pele»!
Sidney Poitier estava então para o cinema como Barack Obama está hoje para a política. Impôs-se desde muito jovem em filmes como “No Way Out” (Joseph L. Mankiewicz, 1950), “Sementes de Violência” (Richard Brooks, 1955) e “Um Homem tem Dez Metros de Altura” (Martin Ritt, 1957). Contracenou com Paul Newman, Tony Curtis, Glenn Ford, Richard Widmark, todas as vedetas da época. E continuou a romper barreiras raciais em filmes como “Adivinha Quem Vem Jantar” e “No Calor da Noite”, ambos de 1967. Neste, ficou célebre uma réplica sua a Rod Steiger, que fazia de polícia racista: «Chamam-me Mister Tibbs». Uma das frases mais memoráveis do cinema, pronunciadas pelo “senhor” Poitier. Antes dele, os negros em Hollywood apenas podiam ser mordomos, porteiros de hotel ou pianistas de bar. Depois dele, puderam ser tudo.
Julgo curioso recordar que o filme de 1967 “Guess Who’s Coming to Dinner”/“Adivinha quem vem jantar”, de Stanley Kramer, só conseguiu ser estreado em Portugal já durante o ano de 1969, naquilo que se denominou “A primavera marcelista”, pois Sidney fazia de Dr. Prentice, o noivo de Joey, uma jovem WASP, com uns pais conservadores que rejeitavam o seu amor. Ver um negro e uma branca beijando-se no grande ecrã foi, para muitos, algo que não dá hoje muito para acreditar, um ato quase de militância antirracista e anticolonialista. Para não esquecer que tudo isto acontecia há menos de meio século num país que nalgumas coisas mudou pouco, e em que a saudade é de algo que nunca se viveu.
Porque estamos em tempos de “lembradoras”, convém não esquecer que estamos no limiar da comemoração da publicação dos 45 anos do “Álbum Branco” dos Beatles e não gostaria de deixar de relevar uma efeméride. Até o Vaticano se associou quando “despenalizou” John Lennon por ele ter dito ao tempo que os Beatles eram «mais importantes que Jesus Cristo». Valeu-lhe a ira dos cristãos, que convenhamos iram-se demais com pouca coisa, e ameaças do Ku-Klux-Klan, para além de manifestações públicas de partir discos ao que o baterista Ringo Starr, terá dito: «Partam mais, porque quanto mais partirem mais têm que comprar», (pragmatismo q.b.).
Podia fazer uma crónica a dizer mal de alguma coisa, mas todos os meus colegas da “achologia” o fazem não me permitindo ser original, por isso cá ficam as banalidades e, simultaneamente, falar de gente que vale a pena ser lembrada e nomeada.
Para o fim, só digo que apesar de não ter nada a ver com o resto do texto, mas como precisava de um título apelativo para uma crónica preguiçosa, apraz-me dizer que o 1900 do Bernardo Bertolucci é só um dos dez melhores filmes que já vi antes de ter morrido.
Por: Fernando Pereira