Uma das primeiras medidas que o governo provisório chefiado pelo respeitável Teófilo Braga foi assinar o decreto que instituía os feriados laicos, entre os quais o 10 de Junho, com o intuito de louvar os heróis da República, evocando desta forma as comemorações do tricentenário da morte de Camões, em 1880, momento alto da primeira manifestação de desafio à monarquia. O Estado novo apropriou-se do dia, fazendo questão de atribuir à data um cunho marcadamente nacionalista de vertente propagandística, na exaltação pacóvia da raça e posteriormente da guerra colonial, para após a revolução dos cravos se converter o 10 de Junho em Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, tendo a cidade mais alta do País, em 1977, recebido as primeiras comemorações, após a institucionalização da democracia.
37 Anos depois volta a nossa cidade a ser palco destas festividades, no preciso dia em que o calendário assinala o Dia do Santo Anjo da Guarda de Portugal.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, decidiu que o 10 de Junho de 2014 será na Guarda. Está decidido. Decidiu bem, embora tenha cá para mim que tendo em conta toda a neutralidade que caracteriza a ação presidencial, as escolhas oscilariam entre Braga e Guarda, percebendo-se que em 2013, Elvas, foi escolhida por ter sido classificada em 2012 como Património Mundial da Humanidade pela Unesco. Cavaco escolheu bem esperando apenas que não venha a esta terra cumprir calendário e ter, tal qual o fez o ano passado em Elvas, um discurso “à Cavaco” onde foi deliberadamente omitida qualquer referência às Comunidades Portuguesas espalhadas pelos cinco continentes, num auto-elogio de passado como primeiro-ministro.
Vamos estar atentos ao discurso e à atuação, isto 15 dias depois das eleições europeias, para perceber se o atual habitante do palácio cor-de-rosa é (ainda) o sustentáculo político deste governo pseudo-liberal, que de trapalhada em trapalhada, que de mentira em mentira, continua sem acertar uma. Queremos, isso sim, desde aqui, da cidade mais alta de Portugal se reponha a dignidade institucional. Queremos falar deste interior profundo. Da desertificação, do êxodo, do combata às assimetrias, da criação de riqueza, deixando de lado o fait-divers das escutas, o sorriso das vacas, os processos contra comentadores ou a pirosice do nunca me engano e raramente tenho dúvidas.
É que para este Presidente, político que mais tempo está no poder depois do 25 de Abril, eleito apenas por um quarto da população, com uma abstenção que rondou os 55%, e que todos os dias, em todos os discursos e atos tenta demonstrar que a República centenária (ainda) existe, após o “desfile entre grinaldas e velhos heróis de alfinete, que trazem debaixo das fraldas mais Índias de gabinete” , rodeado de todas as figuras e figurantes de proa da política caseira e no preciso momento da entrega das comendas e das banalizadas ordens de Torre e Espada, deverá ter para com o Grande Herói, o tal que continua a ser desprezado, roubado, massacrado, uma palavra de estímulo e um gesto de grande dignidade condecorando o Zé Povinho, que embora dispense o galardão, mantém, como facilmente se percebe, todo o distanciamento para com essa corja de manhosos políticos que arredondam a pança à custa do orçamento, e completamente desconfiado continua a fazer-lhes aquele interessante gesto que Rafael Bordalo Pinheiro tão bem imortalizou no barro.
E a pergunta, Senhor Presidente, é e vai continuar a ser. De quem é a culpa?
Por: Albino Bárbara