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O último campaínheiro de Maçaínhas

Já ensinou os segredos a alguns jovens, mas ninguém quer seguir aquela actividade em vias de extinção

António Bernardo da Fonseca aprendeu a arte de forjar aos 12 anos, hoje já com 64 anos é o último campaínheiro de Maçainhas. Um ofício ancestral em vias de extinção. Já ensinou a alguns jovens aquela arte que do “velho faz novo”, mas ninguém quer seguir aquela actividade: «é moroso, trabalhoso e não dá dinheiro», diz resignado o artesão.

Na sua velha oficina, tudo está como antigamente, o tempo não passa por ali. O cheiro da areia vinda da ria de Aveiro, que pelo uso parece terra negra, invade a pequena cave da sua casa, onde já trabalhou horas a fio. «Agora só faço objectos decorativos, casualmente, para os amigos», atira António Bernardo da Fonseca, já com a farda de trabalho vestida, «não faço nada para mim», acrescenta. Quisera o destino que aprendesse esta arte secular, pois «não era qualquer um que sabia este ofício naquele tempo», conta com orgulho. A tradição em redor desta arte mandava que passasse de geração em geração, do pai para o filho mais novo da família, «para evitar que o mais velho competisse com o pai», recorda o artesão. Já dizia o velho ditado “o segredo é a alma do negócio”. Como o seu pai era lavrador, aprendeu todos os segredos com o padrinho, Aníbal Morgado, de quem não guarda boas recordações. Mas António Bernardo não se entregou ao ofício com muita vontade, preferia estudar mas as posses da família não permitiram outro rumo. Durante doze anos trabalhou na oficina do padrinho «por uma bagatela e sem pagarem as horas extraordinárias», recorda com ironia e alguma amargura o artesão. À medida que as mãos se rendiam à dureza dos metais e as tarefas se tornavam numa rotina, António Morgado sonhava com outros prazeres, como «viajar», hoje faz isso sempre que pode, «ainda agora fiz um passeio pela Europa», salienta. Mas a sua vida não foi só campaínhas. Depois de uma quezília com o padrinho e patrão, deixou a oficina e arte de forjar para trás. Dedicou-se aos cabos eléctricos de uma fábrica local. Hoje está reformado e voltou à sua velha oficina.

Antigamente, havia três oficinas na aldeia e eram bons os proveitos dessa arte “do velho fazer novo” como se dizia, porque se aproveitam os desperdícios de sucata. Como não há rebanhos, também não há campaínhas, «às vezes é que me fazem alguns pedidos, mas é só com fim decorativo», lamenta-se. O tempo mudou tudo, menos a sua sabedoria e agilidade manual, os moldes de madeira, o forno na acanhada oficina ou as ferramentas meticulosamente arrumadas nas velhas estantes. Tudo começa na banca de madeira sobre a arca cheia de areia enegrecida, ali enche duas pequenas caixas de moldar, «uma é a fêmea e a outra o macho», explica com sábias palavras, coloca-se os moldes das campainhas e «faz-se o gito», ou seja, um buraco onde vai ser derramado o metal fundido. O forno deve estar no mínimo a 1500 e no máximo a 1800 graus centígrados, «para ficar no ponto», revela. Depois, em segundos o líquido é despejado do cadinho directamente no canal à superfície da terra macho e fecha-se ao formato do molde. Como que por magia nascem as campaínhas. Depois de vir do forno a elevada temperatura ainda faltam os acabamentos. Nessa altura, António Bernardo senta-se num banco de madeira, e coloca entre os joelhos um velho tronco de madeira com orifícios à medida das campaínhas, «para limar as rebarbas», exemplifica o artesão. Depois do badalo, só falta mesmo o toque final, é quando o artesão ajusta o som até lhe parecer afinado aos ouvidos.

«Ele adora aquilo! Só trabalha, só trabalha», queixa-se a mãe, com 90 rijos anos. Para além das campainhas gosta de experimentar fazer outros objectos decorativos. A sua casa está recheada de peças de bronze e estanho que fez para os seus familiares e outras réplicas que fez para os amigos, desde objectos religiosos, a emblemas desportivos, deusas da história de arte, jarros de estanho, entre outras. Tudo começou quando o pároco da sua terra o desafiou a fazer uma Via-Sacra, há já alguns anos. «Como sobrou muito material, após a obra feita, tentei fazer coisas novas, pois estava farto de fazer campaínhas», confessa.

Patrícia Correia

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