O caminho faz-se caminhando

«A dinamização social e económica do interior tem de ser alavancada pelo estado»

1. As políticas de valorização do interior continuam a ser pouco percecionadas e têm um impacto reduzido na redução do despovoamento. Mas estão definidas no Plano Nacional para a Coesão Territorial (PNCT) e terão sido determinantes para a criação de 24 mil postos de trabalho num investimento nos territórios de baixa densidade de cerca de 3.800 milhões de euros, segundo a secretária de Estado da Valorização do Interior. De acordo com as contas que Isabel Ferreira apresentou ao jornal “Público”, o investimento empresarial aprovado criou inclusive perto de mil novos postos de trabalho altamente qualificados. Atrair novos residentes e estancar a “fuga” dos naturais são alguns dos objetivos do PNCT, mas a verdade é que a perceção de que as medidas têm efeito no empreendedorismo não existe.
Muito mais do que propaganda, o ministério de Ana Abrunhosa tem desenhado medidas assertivas e que, pela primeira vez em dezenas de anos, podem alterar o percurso da história da desertificação do interior. Em muitos casos, para além da pouca perceção que se vai tendo sobre os planos implementados, mudar o paradigma é um processo de anos e há medidas pontuais que só se irão perceber em alguns contextos, nalgumas zonas (do extenso território de baixa densidade) e nalguns sectores, mas, pela primeira vez, o caminho trilhado aparenta ser consequente, sustentável e promotor de um novo otimismo.
A dinamização social e económica do interior tem de ser alavancada pelo Estado. A falta de agentes empreendedores e de atividades com retorno assegurado têm ditado o adiamento da implementação de investimentos e impedido o desenvolvimento empresarial. Porventura pela primeira vez, algumas medidas de apoio (como o programa de apoio à produção nacional ou o programa +CO3SO) incluem formas de apoio às empresas e à criação de emprego qualificado. E há ainda outros programas que poderão modificar o contexto atual (e inclusive a possibilidade de haver apoios no PRR). Falta a deslocalização de serviços públicos e de estruturas centrais que poderão permitir uma nova dinâmica das cidades médias e promover o desenvolvimento sustentado dos territórios fora das áreas urbanas de Lisboa e Porto. Não há muitas razões para ser otimista, mas desde a fiscalidade para o interior, lançada por António Guterres, que não havia um pacote de medidas claras e capazes de impor uma majoração e o crescimento económico do interior – sem emprego não há forma de parar o despovoamento. Como diria Machado, o caminho faz-se caminhando. Mesmo que ainda não vejamos que estamos a caminhar.

2. Numa altura em que a pandemia volta a ter uma espiral de crescimento de contágios, foi bom ouvir o Presidente da República afirmar que o país pode ouvir os especialistas, mas quem tem de governar são os eleitos. Num momento em que um terço da população portuguesa está em processo de vacinação (mais de um quarto já estará imunizada), e mesmo considerando algum atraso no processo de inoculação, Portugal não pode voltar atrás no processo de desconfinamento; a generalidade da população de risco já está vacinada; apesar da vontade dos especialistas em que haja de novo confinamento, e eles sejam os protagonistas das decisões, o índice de perigosidade é hoje muito mais baixo, e num dia em que morrem 300 pessoas no país, haver uma morte a lamentar por Covid-19 não deve ser razão para aumento de confinamento. As regras sanitárias devem ser seguidas e não devem ser alteradas, mas não faz sentido querer voltar atrás no processo de desconfinamento. É tempo de voltar à normalidade possível.

3. Muito para além do Regulamento Geral de Proteção de Dados, a revelação de que a Câmara de Lisboa reiteradamente informa os serviços ou as embaixadas dos países sobre quem são feitas manifestações é um atentado aos direitos, liberdades e garantias inadmissível. Não basta a Fernando Medina pedir desculpa, queremos explicações e mudanças de procedimentos.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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