O eu mágico

Escrito por Diogo Cabrita

«A morte da religiosidade é um processo que reduz o peso das frenações no comportamento»

A componente religiosa da sociedade desintegrou-se em dois polos do mundo e o contraste acentuou-se no e com o restante. A China e a Europa (esta em valores dissonantes por países) afastaram-se da religião, quer por imposição do Estado ou por diminuição da religiosidade, ou apagamento da fé. Esta realidade contrasta com a crescente religiosidade noutros mundos como, por exemplo, o Brasil, os Estados Unidos, o mundo árabe e a Índia. Em valores globais, há mais crentes que ateus ou agnósticos. Há ainda guerras religiosas como na Síria, na Palestina, na fronteira Paquistão/ Índia, nalguns países africanos como Moçambique.
A morte da religiosidade é um processo que reduz o peso das frenações no comportamento. As ações humanas são dependentes de impulsos e travões, e até temos órgãos para ativar e outros para sossegar, acalmar, relaxar. Quando a religião se apaga, reduzem-se os valores morais incutidos, em alguns casos o medo das consequências do mal apaga-se. A educação religiosa inadvertidamente e até erradamente construía uma narrativa de pecados com penas para lá da vida. Também se invocam as benesses da moral como vantagem depois da morte. O código de penas associado aos pecados chegou a ser uma lista de sevícias e de violências justiceiras. Ainda o é nalguns mundos.
O desaparecimento da fé veio deixar um espaço vago para a magia e a espiritualidade. Elas existiam antes, mas competiam para o mesmo território e portanto a bruxaria, a magia, a força das crenças em visões, deduções, coincidências, sem verdadeira sustentação, foram crescendo. Isto não quer dizer que em muita desta componente espiritual e mágica não exista sabedoria e conhecimento repetível, auditável e até sustentado experimentalmente. A Medicina Chinesa, a Naturopatia, a “terapia dos ascendentes”, a cultura vegan, a importância da meditação, etc, que se praticam há centenas ou até milhares de anos, tiveram milhões de pessoas que passaram por elas, e em grande número, cidadãos que encontraram uma incapacidade da tecnociência em os tratar. A frustração na Medicina foi o motor de muitas consultas no espaço alternativo, ou complementar se quisermos ser mais precisos. Quem encontra o equilíbrio mental, físico e social numa bruxaria – ficou saudável. Azar para a medicina! Está bem, sente-se bem, torna-se funcional onde não era. Regozijemos! Se deixou o estado de doente e se encontra saudável, essa pessoa curou-se, quer os cientistas gostem ou não. Há muita coisa inexplicável ou que aguarda mais saber, mais ciência, mas o inesperado, a perturbação, o imprevisto, inundam-nos o dia-a-dia. O eu espiritual busca a paz, esta carece de saúde e de tranquilidade. Mais de 70% das hipertensões arteriais são de causa desconhecida. O eu mágico pode produzir uma serenidade com consequências na hipertensão? Pode. O yoga pode reduzir a dor crónica? Pode. Deste modo contribuem para a redução da mortalidade.
A espiritualidade e a magia estão, pois, em crescimento no espaço onde a religiosidade se apaga e a tecnociência está empolada. Hoje há milhares de estruturas que andam na fronteira entre o país da burla, o governo da transcendência, a crença vã, a credulidade, a fé e nelas se englobam algumas experiências incontornáveis e que devíamos tentar perceber. Com elas crescem o fundamentalismo tecnocientífico e os fanatismos de todos os tipos.

Sobre o autor

Diogo Cabrita

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