A genialidade de Fernando Pessoa mostrou-nos que se há coisa que podemos aprender com a poesia é a vida. Ou melhor, a descrevê-la. A descrição da vida pode caber em meia dúzia de versos. No seu “Autopsicografia”, provavelmente, estaria a referir-se à sua própria, ao que escrevia e sobre o que escrevia, mas, com toda a incerteza, não se sentiria ultrajado por o conotarmos também com a vida de todos os outros portugueses. Embora este povo genial, como revelam as anedotas, apenas se disponha a fingir-se mediante certas condições, aqueles versos todos acabam por lhe assentar. Nos chistes, talvez por snobismo e muita falta de noção, somos campeões na auto depreciação ao comparar-nos com quem consideramos maiores. Neste particular, damos em pintar os alemães como exemplo do rigor, os ingleses como referência do pragmatismo e os franceses como o expoente máximo da sofisticação. A nós, costumamos preferir atribuir o papel de atoleimado de serviço. Ora, como os tolos nunca fazem nada de jeito, também não nos dá para querer aquilo que fazemos. Ambicionando mais conseguir comprar um carro alemão, um casaco inglês e, pelo menos uma vez na vida, captar uma foto da torre Eiffel para nos sentirmos importantes do que visitar a Póvoa do Varzim. Isso nunca foi pretensão de qualquer português e, muito menos, enfarpelar camisolas poveiras. Paradigma contrário, será o caso das Caldas, mas isso é por outras “faianças” que nada têm a ver com couves ou com quem se entreteve assim a moldar louça para pôr na mesa.
Atitude mais nativa, só a de nos indignarmos com o facto de, do outro lado do mundo, uma expedita poder ganhar uns trocos à custa daquilo a que nunca ligámos nenhuma. Bem, trocos, como quem diz, porque considerar trocos o ordenado mínimo nacional é insultar uns quantos milhares, mas isso é outra conversa que agora nem interessa. O interessante neste assunto foi o ter-nos dado logo para insultar e até querer processar, por violação de direitos de autor, ou de propriedade, ou qualquer coisa assim, a única pessoa que terá feito alguma coisa, que se visse, pela boa da camisola. Quando devíamos era agradecer-lhe por a ter copiado, mesmo desconfiando que o terá feito sem saber que o fazia e sem sequer querer saber nada de quem a inventou. Tory Burch terá, assim, feito mais pela camisola poveira do que todos nós, que somos os donos dela, e bem podia, sei lá, lembrar-se de copiar também o cobertor de papa de Maçainhas ou os cestos de Gonçalo. Sempre nos dava outra oportunidade de fingir ser o que deveras somos e sublevarmo-nos como tanto nos apraz. É que, tal como nos descreve o poeta, porventura sem o saber como a outra, quando lhe deu para versejar que O poeta é um fingidor/Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente, somos todos uns fingidos, mas, evidencie-se, talvez por sermos portugueses, uns fingidos com alma de poeta. Ou uns poetas com alma de fingidos, assim, também pode ser.
Os poetas
«Atitude mais nativa, só a de nos indignarmos com o facto de, do outro lado do mundo, uma expedita poder ganhar uns trocos à custa daquilo a que nunca ligámos nenhuma»