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Ensaio para uma resposta ao artigo “Interesses”, de João Canavilhas

Prezado Sr.

Não pretendo nada mais que levá-lo a fazer um simples esforço de reflexão acerca de algumas de suas sábias sentenças expressas no seu artigo. Não veja nas minhas palavras nada de ofensivo ou de enfrentamento ideológico de alguma espécie. Afirma, textualmente.: «Há uma certeza que fica: esta greve prejudica fortemente a imagem dos professores, uma classe que deveria estar acima das guerrilhas políticas».

As minhas interrogações a este respeito são as seguintes: será que o Sr. imagina que a classe dos professores é formada por seres apolíticos? Se os professores não lutarem por melhores condições de trabalho, estará o Sr. disposto a encabeçar uma luta em prol dessa classe tão desprezada e apontada como uma das que estão contribuindo para o afundamento da condição económica do país? Diz o Sr. o seguinte: «Qual deve ser a primeira preocupação dos educadores: os seus interesses pessoais ou os interesses dos seus alunos?». Eu não tenho a menor dúvida de que os professores estão muito preocupados com os interesses de seus alunos, porém, como preocupar-se com os outros, quando ninguém (inclusive o ME) se preocupa com eles? Será que, porventura, o Sr. ficaria em condições de se preocupar com mais alguém quando percebe que a sua situação financeira (e por extensão a da sua família) está a degradar-se com o passar dos dias?

Mas o Sr. insiste e faz esta afirmação: «O problema é que este sucesso sindical é insignificante face aos danos que a greve está a causar à imagem dos professores, uma classe que surge ainda entre as mais conceituadas pela opinião pública». Sabia o Sr. que estômago não resiste a uma alimentação constituída apenas de conceitos? Sabia que essa argumentação há muito que deixou de ser aquela que afirma, graças a um desgaste profissional imposto pelo próprio ME quando avilta as condições salariais e de trabalho dos professores? Sabia igualmente que, para o professor defender e lutar pelos interesses dos alunos, precisa estar devida e permanentemente em reciclagem e em contacto com o mundo à sua volta e que isso custa algumas centenas de euros (para aquisição de livros, revistas, computadores etc., etc.)?

Será que o Sr., sentindo necessidade de avançar na sua profissão, estaria disposto a ver seu salário congelado por anos a fio, quando percebe que a corrosão imposta pela inflação lhe impede de manter o mesmo nível de vida? Veja outra pérola (…): «Por isso, marcar uma greve para os dias de exames é um acto inqualificável, uma forma de pressão que apenas prejudica a parte mais fraca do sistema: os estudantes». Creio bem que se enganou no adjectivo que utiliza. Na verdade, essa atitude dos professores é qualificável e não o contrário. (…)

Diz por fim: «Por isso nunca é demais sublinhar que, apesar das medidas governamentais afectarem a totalidade dos docentes, muitos foram os que colocaram os interesses dos seus alunos em primeiro lugar, assegurando a realização das provas. Para estes vai o meu aplauso e reconhecimento». O Sr. vai driblando, driblando, pretende afastar de si os adversários, (…), mas acaba a chutar para fora ao afirmar que defende quem não fez greve (…). Afinal, qual deve ser, na sua opinião, o momento ideal para se fazer uma greve (se é que o Sr. a defende)?

Manuel Fernandes, português, professor no Brasil

Caro leitor

Começo por lhe dizer que eu e a minha mulher somos professores. Sei bem do que falamos e, talvez por isso, estou completamente em desacordo consigo.

A nossa divergência é de cariz ideológico, por isso vou apenas referir dois pontos onde a discordância salta à vista.

Interesses: O leitor considera que “ninguém se preocupa com os professores”. Até pode ser verdade, mas não justifica que os professores coloquem as suas preocupações laborais antes das preocupações educativas dos seus alunos.

Momento: Não sei qual é o momento ideal para uma greve, mas penso que não será quando ela prejudica inocentes que atravessam um período particularmente sensível da sua vida: a época de exames.

Cumprimentos

João Canavilhas

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