O recente roubo dos cães de Lady Gaga provocou tão grande sobressalto, neste nosso mundo encantado, que nas notícias esfumou o facto de um homem ter sido baleado quatro vezes por causa disso.
Provavelmente o meio milhão de dólares oferecido, de imediato, pela cantora para recuperar os cachorros não terá sido alheio a esta opção jornalística. Meio milhão, sempre é meio milhão e, seja qual for a moeda, merece o devido destaque. Para além de, quando tudo é economia, ninguém dever levar a peito a opção de destacar as vicissitudes matinais dos cães e gatos de famosos enquanto se obliteram as desgraças humanas. Devendo acrescentar-se, a menos que sejam muito ilustres, a circunstância de as tristezas não costumarem pagar dívidas, dizem. Embora isto também não seja caso de uma pessoa se fiar por aí além. Aliás, a julgar pela quantidade e qualidade da miséria alheia exposta nas tardes e manhãs televisivas, algumas dívidas as tristezas pagarão. Se não as dos apresentados, pelo menos as dos apresentadores. Esta trupe, de tanto ter feito pela vida, parece até ter conseguido emancipar-se já do dever de decência e ascendido ao olimpo de quem, em nome de um princípio inviolável, o do direito a informar e entreter, vai escapando a um escrutínio sério dos informados e entretidos.
Posto isto, valerá a pena perguntar, no que a esta companhia respeita, qual a informação e entretinimento em causa? Pois, será aquela que melhor jeito lhes der. Assumindo uma lógica de economia empresarial, começam por assomar-se-nos como os verdadeiros faz-tudo de serviço. Iniciam a manhã como apresentadores, ao meio-dia passam a locutores e acabam, à noite, como comentadores. Constituem-se assim como uma espécie de “tudólogos”, aptos para perorar sobre qualquer assunto com perícia superior à dos próprios peritos entrevistados. Provavelmente, poucas dúvidas subsistirão sobre aquilo que os costuma mover, podendo resumir-se ao interesse de dois bolsos, o seu e o do patrão. Compreende-se, por isso, o formular e reformular de perguntas e respostas até passarem a mensagem pretendida. Neste exercício, é sabido que, dê por onde der, os faz-tudo televisivos primam por dizer apenas o que acham que o comum dos mortais quer ouvir e não o que os especialistas, ou os entrevistados da vida, disserem. Com este subterfúgio, conseguem pôr certas pessoas a chorar por quem nunca viram, mais gordo ou mais magro, outras a defender ser a Terra plana e mais uma quantas a acreditar na teoria das vacinas resultarem de uma conspiração para nos controlar a vontade. Mais pormenor, menos pormenor, é como se todos estes simpatizantes de comentadores, das vidas cor-de-rosa escarlate, transferidos para o comentário político e transladados para a pandemia, depois de terem passado pelo comentário desportivo, andassem muito mal informados e ainda pior influenciados. Não será, pois, de admirar que, entre uma coisa e outra, ande meio mundo envolto em dúvidas, sem conseguir decidir-se entre as virtudes do confinamento e a emulação do D. Henrique. Mas não se lhes poderá levar a mal, pelo menos, não muito a mal.