Em Vilnius, embora a neve continue a cair, eu ainda não. Por razões que talvez se prendam com aquilo que se dizia de Maradona, que tinha um baixo centro de gravidade (ou em linguagem menos futebolística, ser um minorca), continuo sem dar quedas quando ando na rua, ou mesmo quando experimentei descer uma ligeira inclinação em cima de um trenó. Uma queda estará com certeza para breve, e o leitor será devidamente informado, que é para isto que se querem as colunas de opinião.
Não me tendo ainda esbardalhado no chão gelado, a neve proporcionou-me uma cena trágico-cómica (cómica para mim, trágica para o outro) através da janela da sala. Mesmo em frente à mesa onde trabalho, estava estacionado um carro que apresentava já uma cobertura de neve como se fosse topping de chantilly em cima de um bolo. A dona do carro levou 50 minutos – cinquenta – a limpar a neve do carro. Quando finalmente pôde entrar no carro, o motor não pegou. Depois de desistir após várias tentativas, terá ido chamar um mecânico ou alguém que perceba de motores de automóveis – e aqui está a razão pela qual nem sequer esbocei a oferta de uma ajuda. Quando regressou, o carro estava novamente coberto de neve. Tudo isto levou bem mais de duas horas, o que explica em boa medida a falta de produtividade científica destas primeiras semanas na Lituânia. No período de tempo em que me ausentei da sala para ir fazer chá, o carro desapareceu, desconsiderando a atenção que dei à situação durante toda a tarde. Não gosto de perder o epílogo dos filmes. Achei desagradável e pouco atencioso.
Esta semana, o governo conservador-liberal de Ingrida Šymonitė (não há como mulheres conservadoras para governar países) permitiu a abertura de pequenas lojas, que incluem LIVRARIAS (em maiúsculas, para leitura mais fácil do governo Fahrenheit 451 de Costaline), de cabeleireiros, de gabinetes de Psicologia e Psicanálise, e das igrejas. No fundo, todas as actividades que fazem bem à cabeça, dependendo dos gostos de cada um.
No dia em que escrevo, comemora-se o Dia Nacional da Lituânia, celebrando a independência do império russo, a 16 de Fevereiro de 1918. Muitas casas têm bandeiras penduradas nas portas e janelas, e os monumentos estão iluminados com as três cores que representam o país. Os lituanos ainda se lembram bem que ser um país independente não é só ter uma selecção nacional campeã da Europa. Em Portugal, é muito compreensível que a única razão para celebrar a pátria seja o futebol.
Nuno Amaral Jerónimo está em Vilnius a convite da Vilnius Tech University
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia