Escrevo com o que resta da bateria do portátil e suspeito que, se conseguir acabar este texto, isso por si só não vai garantir a sua publicação. Normalmente, no Interior, a esta hora já está alguém a ligar-me e a queixar-se de que está toda a gente à minha espera, mais uma vez, para fechar a edição. Hoje não, hoje ninguém liga. Ainda penso se o director do jornal continua ofendido comigo, depois de lhe ter enviado um mail com a fotografia de uma águia triunfalmente pousada em cima de um leão, mas não, é mesmo porque a cidade está toda às escuras há horas e na redacção do jornal o meu texto é mesmo a última das preocupações.
Um rápido inventário da situação permite-me chegar à conclusão de que regressei por momentos à idade média, ou pelo menos aos anos cinquenta do Portugal rural, com a diferença de que não tenho lamparinas de azeite á disposição e as únicas velas que há em casa são as da última festa de aniversário do meu filho. Não há internet, televisão, rádio. A placa e o forno são inúteis e, se quiser cozinhar, terei de encontrar um fogão a gás escondido algures na garagem, debaixo de toneladas de tralha – mas para o conseguir fazer, terei de acender a luz…
É em horas destas que se recapitulam algumas leituras recentes. Salvo erro no Público de segunda-feira, no suplemento de economia, um especialista em petróleo dizia que a energia está “incrivelmente barata”. Se o preço do petróleo reflectisse o seu real valor, avaliado em função da procura e da disponibilidade do produto, valeria muito mais. E avisava: preparem-se para preços da ordem de duzentos dólares o barril a curto prazo; preparem-se para ver a procura ultrapassar em muito a oferta já no próximo inverno. Preparem-se, digo eu, para ver a escassez de energia provocar muitos apagões iguais aos desta noite. Ou ainda piores.
Outra leitura: Krugman, em artigo de opinião publicado há dias no NYT, contava como a China estava a financiar o défice orçamental norte-americano através do empréstimo a juros baixos de gigantescas quantidades de dinheiro. Resultavam deste facto algumas consequências: a dependência crescente dos EU em relação à China, a evidência do superavit comercial desta. Quem será a superpotência dominante do século XXI? Há ainda dúvidas? A verdade é que no problema de Taywan a China já parece colher muitas mais simpatias do que dantes, no da Coreia do Norte recorre-se à sua intermediação e ela própria parece começar a ganhar a arrogância de quem sabe poder usá-la – veja-se a forma como reagiu à ameaça de accionamento das cláusulas de salvaguarda na questão dos têxteis. A não ser que acabe entretanto o petróleo e a própria China regresse à idade média.
Certo, certo, é que podemos ir dizendo adeus à boa vida. A nossa civilização baseou o seu sucesso na abundância e baixo preço da energia e isso acabou. A nossa qualidade de vida foi conseguida com base nessa e noutras premissas que perderam entretanto validade. Nos EU dos anos cinquenta e sessenta havia cinco activos a descontar para os sistemas de segurança social por cada novo reformado. Isso permitiu criar enormes excedentes financeiros na segurança social, ao ponto de o sistema ser garantidamente auto-sustentável até cerca de 2040 – que é uma data temida no outro lado do Atlântico. Por cá, em Portugal, a data temida é 2015 – ou antes. Ou já, que o sistema se encontra hoje notoriamente falido. Ainda por cima, a nossa dependência energética do exterior é quase total. O que é o mesmo que dizer que em áreas vitais a nossa vulnerabilidade é catastrófica. Imaginemos, por um instante, o que será da nossa indústria se tivermos de pagar o gasóleo a 3 euros o litro, ou de nós se a factura doméstica da electricidade apresentar saldos mensais de 500 euros.
Lá fora continua um escuro de breu. As pessoas, depois de darem uma volta pela cidade, para avaliar as dimensões do apagão, voltaram a casa. A bateria do meu portátil, um velho IBook com mais de cinco anos, aguentou-se galhardamente até aqui mas ameaça apagar-me o ecrã a qualquer momento. Vai ser uma longa e escura noite.
PS: Os parabéns ao meu amigo José Carlos Alexandre pela sova que deu no Benfica na semana passada! E não é que tem razão nalgumas coisas? Este Benfica foi de facto um campeão muito fraco, excepcionalmente fraco e se calhar é verdade, não merece os parabéns pelo título, tão fraco que foi. Mas mesmo assim, num singelo gesto de desportivismo, eu dou os parabéns ao Sporting pelo seu brilhante terceiro lugar na prova máxima do nosso futebol. Fantástico! Continuem com o bom trabalho! E um grande obrigado, meu caro José Carlos, que nada há que dê mais prazer a um vencedor do que o mau perder dos vencidos.
Por: António Ferreira