Milhares de anos depois dos romanos terem inventado estradas terrestres que deram origem a uma rede que levou Direito, Religião, os portugueses fizeram primeiro a Descoberta de que só há um Oceano. Bartolomeu Dias vê a junção do Atlântico com o Índico, Afonso de Albuquerque e tantos mais verificaram que o Índico se juntava com o Pacífico e Fernão de Magalhães descobre a ligação do Atlântico com o Pacífico.
É essa a Descoberta. A impressão digital deixada por Portugal quando ousou dar um destino à Humanidade. A Marca deixada por Portugal quando ousou dar Destino à Humanidade.
Logo a seguir o génio Português juntou pelas estradas do Mar, que entretanto abrira, todas as raças do Planeta.
Quando, em Ciência, queremos provar algo tiramos uma fotografia ao fenómeno. A globalização também tem o seu retrato. Está em muitos biombos pintados por japoneses depois de termos aportado no Japão, em 1543. Neles, nessas fotografias pintadas, vê-se uma Nau Portuguesa. E na Nau estão Europeus de todos os cantos da Europa, Índios do Brasil, Africanos de toda a África, Hindus da Índia, Indochineses, Chineses, em terra estão Japoneses. Em especial, num biombo Namban, no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, está a Nau em que pela primeira vez todas as raças se juntaram. Quem lá está em menor número são os Portugueses. Mas é deles a Nau, o Comandante, os Pilotos, os Artífices e a Tripulação.
Logo que virem esta pintura da primeira fotografia da Humanidade vão perguntar-se para que é que escrevem livros para dizer que houve esta primeira globalização. Uma imagem vale mil palavras. A principal globalização está ali na nossa frente retratada. É resultado da Descoberta: só há um Oceano.
Depois de Portugal ter feito esta Descoberta lê-se de Antero de Quental:
«D’este mundo brilhante, criado pelo génio peninsular na sua expansão, passámos quase sem transição para um mundo escuro, inerte, pobre, ininteligente e meio desconhecido. Dir-se-há que entre um e outro se meteram dez séculos de decadência: pois bastaram para essa tal transformação 50 ou 60 anos. Em tão curto período era impossível caminhar mais rapidamente no caminho da perdição». Assim é o queixume de Antero de Quental e a nossa consternação.
«Baixavam pela indústria e pela política». «O génio livre popular decaiu, adormeceu por toda a parte». «O Povo emudeceu, negam-lhe as palavras; não o consultam; já não contam com ele». «As intrigas políticas, o nepotismo cortezão, o roubo audaz ou subrepticio da riqueza pública vê-se na “Arte de Furtar”, do Padre António Vieira». «Já não cremos, certamente, com ardor apaixonado da raiz de onde viemos». «A vida concentra-se na capital. Os nobres deixam os campos, os solares dos seus maiores, onde viviam em certa comunhão com o Povo e vêm para a Corte para brilhar, ostentar… mendigar nobremente. O fidalgo faz-se cortesão».
Passamos agora por um período de grande aceleração. Já não há só velocidade, já não há só aceleração, há também aceleração da aceleração.
O Mundo, nós e as máquinas e os que são em parte máquina e em parte Humano, mudaram. Evoluíram os nascidos, os fabricados e os nado-fabricados. A la Darwin, a la Kropotkin e de vez em quando a la Nash.
Muito do que eram prerrogativas de um ser nascido passaram para seres fabricados.
Sabemos ainda muito pouco do fluxo de consciência destas máquinas feitas a la Fisher, a la Turing, a la Von Neumann. Sabemos que é diferente do nosso. A ética é diversa. Podem e muitas vezes não coincidem. São diferentes as éticas.
Em finanças não são o mesmo. Entre máquinas, a especulação não é condenável. Aumentar, diminuir o valor do que não tem valor é, entre máquinas, um exercício de álgebra. Para os seres fabricados tem sequência, mas não tem consequência. Logo que ficamos, os Humanos, envolvidos não só tem sequência, como pode ter vasta e devastadora consequência. Já houve pelo menos um episódio em que, por um período de tempo, os seres fabricados, autómatos, tomaram o comando a Humanos sobre os valores em Bolsa. Desta alteração avisa-nos Antero de Quental, que a geração financeira por seres fabricados destrói porque «o Capital adquirido pelo comércio e pela guerra só se torna real e produtivo quando se fixa na cultura da terra e nas outras indústrias». A decadência é quando é negada a possibilidade de «o espírito de trabalho e de indústria; a riqueza e a vida das nações têm de se tirar da actividade produtora».
Hoje a Sociedade constituída por seres nascidos, seres fabricados e nado-fabricados é detentora de conhecimento que lhe veio primeiro do gesto e da fala para representar o Mundo. Deu mitos fundadores da civilização. Basta ouvir Homero. Semearam religião. E fizeram construir teatros. A Humanidade – é curioso notar que as grandes Descobertas não são atribuíveis seja a quem for: descobriu o desenho. A representação do Mundo pelo desenho deu a escrita (Voltaire dizia que a escrita é a pintura da pauta da música da voz, quanto mais se lhe assemelha melhor é). A Geometria. A Arquitetura. O Design. As naus. Os aviões. Os foguetões. Os satélites… Quase tudo. Até que há 400 anos se iniciou a representação do Mundo pela Matemática; deu equações de evolução, deu o modelo quântico do mundo, a relatividade geral e, dentro da representação Matemática, a especialíssima representação iniciada por Boole, a que se juntaram Fisher, Turing e Von Neumann para a autorreprodução de autómata, para uma Ciência sem leis, só com modelos. O conhecimento cresceu ordens de grandeza.
Mas do perigo deste conhecimento, por vezes envenenado, há muito que fomos avisados. Em Genesis 2.7: «Se comeres da árvore do conhecimento do bem e do mal por certo perecerás». Não é do conhecimento. É do conhecimento absoluto e logo inquisitorial do Bem e do Mal. Antero de Quental relembra este aviso bíblico. Advertência perene da ameaça que vem de acreditar que se pode conhecer o Bem e o Mal absolutos: «Oponhamos à monarquia absolutista e centralizada, a federação republicana de todos os grupos autonómicos, de todas as vontades soberanas alargando e renovando… Oponhamos a iniciativa do trabalho livre, a indústria do povo… Operando assim gradualmente a transição para o novo mundo industrial a que pertence o futuro».
Contudo, talvez este discurso sobre a “… Decadência dos Povos…”, de Antero de Quental. Talvez tenha que ter um acrescento, uma precisão, agora que chegou à véspera dos seus 150 anos.
Antero de Quental não tinha processo de então saber que parte do calor que vai de algo quente para qualquer outra coisa que esteja fria é rejeitado. A fonte quente nunca consegue passar todo o calor que poderia, que quereria, para a fonte fria. A fonte fria não aceita sempre uma parte.
Foi Boltzmann que deu a explicação descobrindo que 20 por cento das moléculas do ar do local onde vai ler o discurso de Antero de Quental contêm 80 por cento da energia total dessa atmosfera. Não são sempre os mesmos átomos a ter os 20 por cento da energia, mas são sempre 20 por cento. Quer dizer que 4 por cento detêm 64 por cento. O que leva a que menos de 1 por cento dos átomos contenham 50 por cento do todo. É o resultado do segundo princípio da Termodinâmica. A lei mais permanente na linguagem física da matéria.
Paretto mediu a posse da propriedade agrícola algures em Itália e um por cento tinha 50 por cento da terra. Zipf, que estudava textos, verificou que um por cento das palavras de um texto explicam 50 por cento. Hoje sabe-se que um por cento dos compositores explicam 50 por cento da música que ouvimos; um por cento dos pintores 50 por cento da pintura que vemos; um por cento dos jornalistas escrevem 50 por cento das notícias que lemos; um por cento dos jornalistas dos canais de televisão leem 50 por cento das notícias; um por cento de seres humanos detêm 50 por cento da riqueza do mundo. Um por cento das Nações têm o domínio sobre 50 por cento dos outros povos. Um por cento dos sites da web representam 50 por cento das visitas a sites. Um por cento dos documentos na web correspondem a 50 por cento dos que são procurados e lidos… Um por cento dos que sejam detêm 50 por cento do que for que tenham. Não são sempre os mesmos a fazer parte do um por cento, mas são sempre um por cento.
Saem uns entram outros. É uma fonte permanente de conflito, muitas vezes de guerra, esta distribuição de 20/80, ou, para ser mais impressionante, de 1/50; no seio dos povos; entre os Estados poderosos do mundo como não deixamos de sentir neste momento que prenuncia conflito. A Nova Ordem é o que se segue à substituição dos que estão nos 20/80, ou se quiserem no 1/50. O atual Bispo de Setúbal, D. José Ornelas de Carvalho, no final de um seminário internacional organizado pelo Instituto Superior de Teologia de Évora, em janeiro de 2020, olhou-me, à despedida, e ouvi: de tudo o que disse, o problema que temos de resolver é o 20/80. A partir desse momento sei que é.
Antero de Quental sabia, mas não se apercebia que não são os povos que decaem, são os 20 por cento dos 80 ou o 1 por cento dos 50 que se corrompem e corroem. Esses, os 20/80 ou 1/50, é que geram os erros políticos e económicos. Esses é que planearam, executaram e fizeram o Design Social para a decadência. Não foram os povos.
É desses (20/80, 1/50) e não dos Povos que vem «este adormecimento sonambulesco», «uma fábrica, uma oficina, uma exploração agrícola ou mineira são coisas impróprias da nossa fidalguia. Por isso as melhores indústrias Nacionais estão nas mãos de estrangeiros, que com elas enriquecem e se riem das nossas presunções». São esses (20/80, 1/50) e não os Povos que querem, em vez de «ser uma aristocracia de pobres ociosos, ser uma democracia próspera de trabalhadores».
É por design desses (20/80, 1/50), que desde os anos 90 do século XX fomos forçados a assistir à desindustrialização, ao fecho de fábricas, ao abandono da agricultura e da mineração, ao fecho dos laboratórios de ciência, tecnologia e engenharia do Estado, à perda da soberania sobre o saber que vem por ter feito e não porque se ouviu dizer.
Mas Antero de Quental não nos deixa sem método para alterar o rumo que os 20/80 traçaram para a viagem que querem que façamos para se perpetuarem. E, agora que dizem e que se fala em reindustrialização, ambiente, digitalização pelos mesmos 20/80, 1/50 que geraram uma Europa tão atrasada: «Finalmente oponhamos a iniciativa do trabalho livre, a industria do Povo». E sobretudo não consintamos que «o homem do Povo, não podendo já ser trabalhador, seja feito lacaio: a libré como fato de trabalho é o elo da decadência».