As portagens e o pressuposto de que os deputados defendem os seus eleitores

«Ao contrário do que sucedeu (e sucede) quase sempre, desta feita um deputado do interior defendeu as terras que o elegeram»

Há oito anos, como repetidas vezes aqui escrevi, com a introdução das portagens nas antigas SCUT, as assimetrias aumentaram e o que parecia uma infraestrutura essencial para desencravar as vilas e cidades distantes de Lisboa e do litoral e um caminho para a promoção da coesão territorial foram inexoravelmente encerradas. Viajar de e para o interior passou a ser mais caro porque as autoestradas que prometeram «desencravar o interior» passaram a ser um custo acrescido. Ao ultraje respondeu-se com brandura; ao vitupério opuseram-se poucos e com meros buzinões. Já não bastava a austeridade para asfixiar a economia do interior, desde 2012 o empobrecimento foi realçado e as distâncias em relação ao litoral foram acentuadas – não pelo tempo de viagem, mas pela diferença de oportunidades, pelos custos acrescidos e pelo desprezo que o Estado (o país) mostrou para com o “Portugal profundo”. Tudo isto ajudou a que o fosso entre interior e litoral se fosse agravando. O despovoamento e a pobreza são factos que as maiorias desprezam e que muitos não querem ver, mas que existem, e os custos das autoestradas acabaram por ser mais um elemento a considerar.

Repito mais uma vez que, em 2011, promovi uma Petição Pública contra a introdução das portagens nas autoestradas A23 e A25, subscrita por cerca de quatro mil cidadãos, e entregue na Assembleia da República (AR) – onde fui recebido em setembro, em audição na Comissão de Economia e Obras Públicas, enquanto cidadão, contestando a implementação de portagens (https://ointerior.pt/arquivo/peticoes-nao-evitam-portagens-na-a25-e-a23/). Percebi então, junto dos deputados da Nação, que não havia a menor sensibilidade e disponibilidade para assumir a diferença, para defender a igualdade de oportunidades e promover a coesão territorial. E foi assim durante quase dez anos. Não houve buzina que incomodasse as maiorias e os governos.

As promessas de redução do preço (a A25 é mesmo a autoestrada com o quilómetro mais caro do país…) e os pacotes de descontos oferecidos, nunca passaram de migalhas de um enorme desrespeito para com os resilientes que teimaram em continuar no interior.

Por isso, e mesmo estando longe da anulação de portagens que deve continuar a nortear o protesto, a redução para metade do valor a partir do dia 1 de janeiro é uma notável correção de assimetrias. A aprovação da proposta de alteração do Orçamento de Estado apresentada pelo PSD e que contou com os votos do PCP, PEV, BE, CDS, Chega e Joacine Moreira criando uma maioria “negativa” contra o PS, que governa, tem de ser repetidamente aplaudida. Ao contrário do que sucedeu (e sucede) quase sempre, desta feita um deputado do interior defendeu as terras que o elegeram – o deputado pela Guarda Carlos Peixoto foi o autor da proposta. É óbvio que se tratou de política, e de o PSD e demais oposição colocarem “contra as cordas” o PS num golpe ardiloso, mas isso é o que há muito se esperava – e para que serve eleger deputados pelos distritos se depois eles votam invariavelmente de acordo com as diretrizes do chefe? Para as empresas e residentes das regiões do interior irá significar a redução de um custo em 50% nas deslocações por autoestrada. Num ano traumático e tão difícil para todos, esta foi a única boa notícia.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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