Começo o dia numa pequena aldeia do concelho do Sabugal. Pouco mais de cem eleitores onde cabem, e couberam, quando não havia eleições, muitos mais. Discute-se a propriedade de um pequeno terreno agrícola, de pouco valor de mercado mas muito potencial de conflito. Enquanto as partes se insultam, vou calculando quanto valeria numa expropriação. Concluo que no máximo, e muito por alto, estamos a discutir cerca de quinhentos euros. Muito, mas muito menos do que vai custar o processo.
Vou almoçar ao Terreiro das Bruxas com um velho amigo. Mais um a deixar para trás gravatas e colarinhos brancos para se dedicar à agricultura e a uma vida mais simples. Deixo-o na vinha com a filha de cinco anos, que hoje fez gazeta à creche a pretexto de uma constipação, e sigo para Manteigas.
Estão à minha espera mais de quarenta operárias de uma fábrica de têxteis. A administração propõe-lhes o despedimento a troco de uma indemnização. Esta é cerca de um terço da legal e é a pagar em mais de quatro anos. Querem a minha opinião e eu faço-lhes as contas. Tomo como exemplo para todas uma senhora da primeira fila. Ganha menos de quatrocentos euros por mês e trabalha na fábrica há quarenta anos. As outras, na sua esmagadora maioria, estão na mesma situação. Não quero acreditar, até porque não me parecem ter idade para isso.
Pouco a pouco, vou respondendo às questões que as preocupam., e são questões graves. Em Manteigas não há empregos disponíveis. Se elas forem para o desemprego não têm qualquer esperança de voltar a trabalhar nos próximos tempos. O subsídio de desemprego resolverá a questão por uns tempos e, depois, ficarão a faltar ainda demasiados anos para a magra reforma que as espera. No entretanto, a indemnização que a empresa lhes oferece, por junto, não lhes assegura sequer um ano de subsistência.
Voltamos a fazer contas à proposta, à idade delas, aos anos que faltam para a reforma, às perspectivas de emprego e não custa muito a concluir que lhes é oferecido pela empresa tão só um futuro de miséria a troco de quase nada.
Olho para elas e não resisto à pergunta: “com que idade começaram a trabalhar?”. Ouço respostas vindas de toda a sala, de gente que começou a trabalhar com doze anos, com onze, com treze. Gente que toda a vida ganhou salários de miséria e que hoje se vê tratada como refugo. Ou, pior ainda, colocada como refém dos empregos dos colegas, sob pretexto de que, a não ser aceite o acordo, será colocada em risco a subsistência da fábrica.
Este mundo, o dos têxteis, lanifícios, confecções, está a morrer. O problema é que, fechadas as fábricas, encerrada a última delas em benefício de um qualquer traficante de escravos chinês, vão sobrar centenas de milhares de desempregados em Portugal. Gente que começou demasiado cedo a trabalhar e que perde o emprego quando mais precisava dele. Esta gente precisa urgentemente de ajuda e Manteigas precisa, urgentemente também, de uma nova estratégia de emprego.
Por: António Ferreira