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25 anos sem beber álcool

CAR da Guarda homenageou abstinentes

Carlos Brito e José Carlos Rabaça souberam assumir e lutaram contra o alcoolismo, uma doença ainda sem cura e que requer muita força de vontade para se tratar. Ambos são hoje em exemplo a seguir. Abstinentes alcoólicos há 25 anos, o Centro de Alcoólicos Recuperados (CAR) da Guarda prestou uma merecida homenagem na sexta-feira passada. Num jantar de confraternização onde só se bebeu água ou sumo.

«Apanhei a primeira bebedeira com apenas 13 anos», recorda-se com exactidão Carlos Brito, fundador e presidente do CAR da Guarda. Seguiu o exemplo lá de casa. «O meu pai bebia muito, muitas vezes era eu que levava a bebida e lha punha na boca para provar», lembra-se. «A própria sociedade é que me levou a beber», justifica Carlos Brito, pois havia uma cultura enraizada segundo a qual «o vinho fazia bem e dava força». E em vez das tradicionais “laranjadas”, a sua mãe fazia-lhe «refresco de vinho, com água e açúcar». Tudo começou por ser moderado, mas depois apareceram os consumos mais excessivos. Porém, essa cultura do consumo das bebidas alcoólicas «ainda está um pouco enraizada na nossa sociedade», considera o responsável. Tanto assim que, quando se recebe convidados, há aquele hábito cultural de perguntar «O que é que tomas? Vai um uísque?», constata Carlos Brito. Reflectindo pelo passado, o presidente do CAR conclui que caiu «numa ratoeira sem querer, foi a convivência, o ter casado muito cedo e o dever social», justifica. Em contrapartida, hoje os jovens estão a cair na dita ratoeira por querer.

Carlos Brito foi dos primeiros desintoxicados no Centro Regional de Alcoologia de Coimbra. «Na altura, fiquei rotulado na Guarda». Até pelo historial que tinha deixado para trás, como problemas com a justiça, foi despedido e chegou mesmo a vender o seu sangue nos hospitais para ter dinheiro para beber. Quanto às suas contas no mundo do alcoolismo são simples: «Vivi o alcoolismo do meu pai até aos 13 anos, dos 17 aos 27 fiz a minha alcoolização, com 25 a ajudar outros, dá 48 anos», contabiliza Carlos Brito, de 52 anos. «Com o meu pai a bater aos meus irmãos, a mim e à minha mãe. E depois o que fiz aos meus filhos. Tudo isso fez-me repensar e decidi que devia fazer alguma coisa para ajudar os outros», recorda. Foi quando surgiu o Centro de Alcoólicos Recuperados do Distrito da Guarda, um projecto inédito a nível nacional no qual ainda andou «três anos a trabalhar sozinho».

Quem o ajudou a fundar o CAR foi José Carlos Rabaça, de 58 anos, após o tratamento em Coimbra em 1980. «Pedi ajuda a um médico e fui voluntariamente, porque a minha vida estava de rastos», adianta o segundo homenageado da noite, confessando que tudo se transformou «totalmente» a seguir. José Carlos Rabaça confessa resistir agora «muito bem» às tentações com que convive diariamente. «Não há o mínimo problema em casamentos, baptizados, convívios, sou imune e os meus amigos já o sabem», diz, orgulhoso.

Mais jovens e mulheres no alcoolismo

O CAR foi fundado em 1983, desde então já ajudou mais de 1.600 alcoólicos de todo o país, com uma taxa de sucesso de cerca de 80 por cento. Para além disso também costumam fazer frequentemente sessões de esclarecimento nas escolas do distrito da Guarda. «Muitos jovens ficam admirados quando lhes digo que as bebidas alcoólicas que ingerem tem o mesmo álcool que se vende nas farmácias para as feridas» relata Carlos Brito.

No distrito da Guarda, há 26.120 bebedores excessivos e 21 mil alcoólicos crónicos, adianta o responsável. Porém o presidente do CAR está apreensivo com os consumos excessivos dos jovens, pois já não bebem vinho ou cerveja, mas bebidas «mais perigosas», como os ‘shots’. Como a lei permite que os jovens bebam a partir dos 16 anos, «com as “bebidas da moda” fazem em cinco anos uma alcoolização que demorava 20 anos a beber vinho em excesso». Também preocupante é o alcoolismo feminino. Porque hoje a mulher adquiriu um estatuto de igualdade ao homem, mas «fisicamente é por vezes mais fraca».

Patrícia Correia

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