Na semana passada a deputada e líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, passou pela Guarda e foi de comboio até Mangualde. A dirigente bloquista chamou a atenção para o facto de Portugal ter deixado de investir na ferrovia.
É relevante que os dirigentes políticos nas suas visitas à “província” tenham estas declarações de defesa do interior e, no caso, ainda mais quando nos deixam pérolas como a que líder do BE fez de que, ao contrário de António Costa Silva (o autor do plano de investimento apresentado pelo Governo), que «olha para o Interior e vê minas e eucaliptos» e «o BE olha para o Interior e vê gente que aqui vive e quer viver». A coordenadora do Bloco fez bem em defender os transportes no interior, e nomeadamente, do ferroviário, porém o BE tem sido “muleta” do atual governo, em especial de 2015 a 2019, na “geringonça”, e não se lhe reconhece a defesa de medidas para a promoção do transporte ferroviário ou sequer de transporte no interior do país (ou a necessária exigência da eliminação das portagens nas autoestradas A23 e A25, que a própria Catarina Martins, nesta visita, considerou as mais caras de Portugal).
Entretanto, o Lusitânia, que ligava Lisboa a Madrid (com passagem noturna pela Guarda), foi suspenso, primeiro pela Covid, agora pelas intermináveis obras na Linha da Beira Alta (o mesmo se pode dizer em relação ao Sud Expresso, que ligava Lisboa a Hendaye, pela Guarda, e que também está suspenso – até porque também a linha Vilar Formoso-Salamanca entrou em obras). As duas ligações têm um prejuízo de cinco milhões de euros e o único mês em que tinham resultados positivos era agosto; a má planificação de obras e o péssimo investimento público na ferrovia levam a que ninguém tenha interesse na sua utilização sendo o automóvel ou o avião opções muito mais “acessíveis” – tudo porque durante anos a classe política portuguesa não defendeu a ferrovia (Greta Thunberg tardou nove horas a ir de Lisboa a Madrid, no Lusitânia, depois de se ter recusado a ir de avião).
O plano de António Costa e Silva (ACS) que o Governo pretende ser a base «Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030» (PRE2030), e que nas suas 142 páginas exprime as supostas prioridades para o país e para onde deverão ser canalizados os milhões da “bazuca” europeia, exclui praticamente toda a região da Beira Interior – um par de linhas sobre o eixo Fundão-Covilhã e uma referência quase excêntrica ao Vale do Côa. Uma vergonha que políticos, autarcas e dirigentes regionais terão que fazer corrigir, agora que o PRE2030 foi concluído.
O Plano é um excelente ponto de partida, confere relevância à promoção da coesão territorial, mas exclui vastas regiões da estratégia de desenvolvimento – ou escolhe erradamente os megaprojetos de mineração (lítio), os centros de tratamento de resíduos ou a fileira agroflorestal, não valorizando os recursos agrícolas, do vinho ao azeite, e esquecendo a economia produtiva. ACS defende o comboio rápido apenas entre Lisboa e Porto desvalorizando precisamente as ligações internacionais – enquanto Espanha investiu milhões para ligar todas as capitais entre si (por AVE) e com ligação ao resto da Europa, Portugal vai ficar isolado e excluído da alta velocidade europeia num erro grosseiro
É sobre tudo isto que temos de falar nos próximos tempos. E é isto que as CIM do interior deviam estar a discutir e a reivindicar. Agora sim devia haver um movimento pelo interior que pudesse defender as opções de futuro e a intervenção no PER2030. O Plano de ACS recebeu 1.153 propostas de contributo no período de discussão pública – eu fiz uma proposta pessoalmente, com dois focos: o primeiro, ferroviário, com a ligação ferroviária em alta velocidade Aveiro-Viseu-Guarda-Salamanca e a eletrificação da linha do Pocinho a Barca d’Alva com ligação a Salamanca ou um ramal à Guarda (à ligação por alta velocidade Aveiro-Viseu-Guarda-Salamanca): e o segundo foco no setor produtivo, no contexto do conceito Hinterland ibérico previsto no PER2030, promovendo um “porto seco” na Guarda (projeto com mais de 20 anos), desenvolvendo espaços geoeconómicos e clusters temáticos (previstos no Plano) considerando nomeadamente que a empresa mais exportadora da Beira Interior é a Coficab, na Guarda (o que não foi considerado no Plano e evidencia que esta região não pode ser apenas para o agroflorestal).
Até agora não houve vozes a defender a região no PER2030 (o presidente da Câmara da Guarda foi dos poucos a elevar a voz contra a marginalização da Guarda, pena que não o tenha feito em termos regionais, isto é, de defesa do distrito e não apenas do concelho). E pena é que outros não estejam a tomar posição ou tenham apresentado propostas para defenderem o investimento na região, no desenvolvimento ferroviário, no produtivo ou noutros focos determinantes para o futuro regional.