O Governo, que tantas vezes proclama o seu espírito descentralizador, é manifestamente centralizador. E o Presidente da República confirma que por muito beijo e abraço que dê pelo interior continua a ser antirregionalista.
A promulgação pelo Presidente da República do diploma que introduz as eleições indiretas dos presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) mostra o lado mais sombrio do sistema partidário e confirma a visão centralizadora de Lisboa. Se a eleição por um colégio eleitoral constituído por autarcas já era uma farsa antidemocrática, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de sublinhar que o presidente e um dos “vices” das CCDR serão nomeados pelo Governo – como se todos os presidentes de Câmara fossem uns mentecaptos incapazes e corruptos sem capacidade de eleger os responsáveis máximos das regiões – e o Governo tem ainda a prerrogativa de os demitir.
O “Portugal único” que Marcelo impôs enquanto líder do PSD para derrotar a regionalização no referendo de 1998 continua bem vivo na mente do Marcelo Presidente da República. As milhares de selfies, os mergulhos nas terras pobres e abandonadas, a presença constante ao lado de cada tragédia do país real, o abraço a cada uma das vítimas dos incêndios ou a mão amiga junto de cada pobre ostracizado e perdido nos mais recônditos lugares de um território que ficou para trás, não são mais do que a espuma dos tempos. Nos princípios e nas convicções, enquanto corre entre Porto Santo e os concelhos algarvios, entre Pedrógão e Foz Côa, o Presidente da República escolhe os corredores opacos e os labirintos burocráticos do Estado mais concentrado da Europa. Pode ajudar a limpar as lágrimas dos que sofrem pelo abandono do Portugal despovoado e pobre, mas não apoia as mudanças profundas e estruturais que o país precisa.
Por isso, quando o PS e o PSD se unem e subscrevem as conclusões de uma comissão que define a descentralização, fica em evidência que muito para além da aparente vontade de Costa ou Rio, o que temos são os aparelhos partidárias a controlar o Estado. Enquanto o poder central domina, são os partidos que regionalmente distribuem os lugares pelos “boys” sem qualquer controlo – a única forma de mudar, de fiscalizar e escrutinar é num contexto de participação e debate político e de poder regional democrático, com eleições diretas.
Podemos continuar a adiar a regionalização, mas sem descentralização os territórios de baixa densidade continuarão a morrer. O diploma que introduz a forma de eleição das CCDR é apenas mais uma farsa feita nas costas dos cidadãos. Os problemas das regiões têm de ser tratados e resolvidos por quem nelas vive, precisamos de meios e decisores de proximidade, que respondam perante as pessoas, que sejam democraticamente eleitos através de sufrágio universal.
Os custos da regionalização serão um investimento nas pessoas que nelas vivem. Os argumentos patéticos de que com a regionalização se estariam a criar novos lugares políticos e mais “tachos” é uma imbecilidade, pois esses lugares existem há muito numa administração concentrada e que não responde perante os cidadãos. Elegermos os decisores regionais (e sermos eleitos) é uma responsabilidade cívica e um direito democrático de todos.