Quando a peça, constituída por vários atos, extraída de um conto imaginário que identifica personagens que contribuem para estruturar o nosso mundo e o seu caráter articulado produz informação diferente, curiosa, caricata e algo cómica, isso é (perdoem-me a referência publicitária) “impulse”.
As “fake” aqui não entram e as pequenas vaidades e ambições dão lugar a um chorrilho de meias verdades e meias mentiras que, afinal, trazem à mistura qualquer coisa de verdade, tendo em conta pareceres e artigos de uns tantos (pseudo) conceituados legalistas. Os episódios sucedem-se e, algo estupefactos, vamos percebendo que Orwell esqueceu-se de referir o gabinete do ódio, que tão bem encaixaria no extinto ministério do Amor. Afinal, não são todos escolhas de um transfuga que lhes deu a mão? E falam uns dos outros, mencionam o diabo como pai da mentira, mentem uns aos outros e, nós, atónitos, vamos questionando se o que eles dizem é verdade ou é mentira.
Esses pinóquios sem projeto, sem ideias para a urbe e com uns abanos descritos por Régio vão dizendo que tudo está bem, a situação normalizada, enquanto a fada-madrinha aprende a recitar o poema de Alberto Pimenta neste pantanal laranja (refúgios de uns tantos travecas), onde o caranguejo-vermelho se safa, o diretor-come-fogo prolonga a data para o fim do mês, fugindo descaradamente às suas responsabilidades. O raposo vê finalmente a ténue luzinha ao fim do túnel recitando no dia 27 o poema de Lorca pelas cinco de la tarde (cuidado que a essa hora ainda não estão contados todos os votinhos), o Arlequim cospe nas mãos, vendo a oportunidade de continuar sentado na cadeira maior e o Polichinelo vai debitando uma quantidade de lugares-comuns nas ondas hertzianas no programa do tal canal que está sempre do lado do poder. Pudera.
Estas personagens romanescas multifacetadas, que desde o sítio do pica-pau laranja são protagonistas de todas as aventuras dignas de Burantino, vão dando aso a situações de vida real, de romance, ficção, drama, aventura e terror, sendo fonte de divertimento que, felizmente, nos vão distraindo em tempo de confinação codiviano.
E se deste lado a coisa vai assim, do outro a aposta é no totoloto do tacho deixado pela rainha Isabel, cujo reinado não foi tão longo quanto o da sua congénere britânica e, já agora, com um diminutivo, com juízo e ponderação poderão fazer um resultadão.
Olhando para os dois pratos da balança (o da direita alaranjado a assemelhar-se ao travo amargo do limão) e o da esquerda rosado com notória prevalência da rosa-dos-ventos (viram para o lado que mais lhes dá jeito), estes figurões, filhos do sistema, dão inteira razão a Eça na sua comparação entre políticos e fraldas, teoria tão bem comprovada por Ortigão nas “Farpas”.
150 anos depois os ensinamentos sabem que nem ginjas, assentam que nem luva, neste nosso mundo. No nosso mundinho…