O rufar dos tambores, os holofotes ligados, as palmas e o burburinho das crianças, até que uma voz entoa: «Meninos e meninas, senhores e senhoras o espectáculo vai começar!». Os animais desfilam ordenadamente, os trapezistas voam sem asas e os palhaços com um olhar entristecido, sorriem. Sucedem-se equilibristas, acrobatas, equilibristas, ilusionistas e contorcionistas. Cheira a pipocas e algodão doce. Nos bastidores, os filhos dos artistas repartem o dia entre os treinos e as aulas para um dia serem eles a pisar aquele palco circular.
De cidade em cidade, sempre com a casa às costas, «estamos de férias todo o ano», congratula-se Walter Dias, do Circo Atlas, que esteve instalado até segunda-feira na Guarda-Gare. Até já perdeu a conta aos anos que está ligado às lides circenses, «é uma vida inteira», constata o empresário, ironizando que «com seis meses já fazia trapézio dentro da barriga da minha mãe». Por isso, o circo é a sua vida e não se queixa: «Conheço Portugal de lés a lés, até já sei onde estão os buracos nas estradas», graceja Walter Dias. Mas a companhia também sofre agora com a seca que assola o país, pois «não há feno e começa a escassear a carne», queixa-se o empresário. Por isso, teve que encomendar 300 fardos de feno e 600 quilos de carne em Espanha. Mas esta ração só vai chegar para os próximos dez dias. Actualmente a comitiva que o acompanha é constituída por cerca de 40 pessoas, sendo que cinco são crianças, três das quais têm idade para frequentar a escola. Os miúdos do circo vão à escola como as outras crianças. «Há uma guia por criança que é dada pelo Ministério da Educação, a qual se entrega nas escolas das localidades onde instalamos o circo», explica. Depois as instituições escolares são obrigadas a aceitar os alunos e a integrá-los nas respectivas escolaridades.
Mas nem sempre é assim. «Às vezes não aceitam as crianças e desculpam-se dizendo que não têm lugar», diz o responsável do circo Atlas. Uma realidade muito semelhante à que viveu e que «não é muito agradável», assegura. Tudo porque “o menino do circo”, como é vulgarmente denominado, «é sempre comparado com alguma coisa ou alguém», recorda-se Walter Dias. «Acontecia já ter estudado uma lição e quando chegava à escola já dominava aquela matéria. Então a professora dizia: “o menino do circo até sabe”». Mas também havia o reverso da medalha, quando estava atrasado naquela lição «a professora ralhava e dizia: “não queiram ser burrinhos como o menino do circo”», recorda o empresário. Mas os tempos mudaram.
O Ruben das Dores tem 7 anos e anda na 2ª classe. Enquanto o circo esteve instalado na Guarda, o menino frequentou as aulas na Escola Primária da Estação. Já as duas meninas não foram às aulas pois estavam doentes. Não sabia o nome da escola, mas isso também é o menos importante. Durante uma semana, levantou-se cedo e foi todos os dias às aulas. Estava no turno de manhã. Fazia os trabalhos de casa e jogava futebol nos intervalos com os colegas. Ruben não tem nenhuma disciplina preferida: «Gosto de todas», vangloria-se. Mas tem uma certeza para quando for grande, é que quer ser equilibrista, como o pai, ou «domador de feras» como Walter Dias, diz com um sorriso rasgado na cara. Por isso treina todos os dias, desde os quatro anos de idade. «Gosto muito de andar na escola, pois faço muitos amigos», revela o miúdo. Às vezes, alguns colegas vão ver os animais ao circo e até perguntam os nomes dos animais ou outras curiosidades, comuns aos mais pequenos, e «o guia dessas expedições sou eu», diz com vaidade. Quando muda de escola fica a saudade e por isso faz sempre «um desenho que fica pendurado na parede», revela o Ruben. E os amigos retribuem com outros desenhos que o futuro equilibrista guarda religiosamente na sua roulotte. Agora os meninos do circo até chegam a ser ídolos entre os colegas.
Patrícia Correia