O tempo passa e a chuva continua a não aparecer, deixando o país numa situação de seca extrema, a que o distrito da Guarda, obviamente, não escapa. Os prejuízos são já inegáveis. Por um lado, a falta de pasto faz com que haja cada vez mais animais a morrer, o que também leva a que o preço da carne já tenha subido. Por outro, o ano agrícola começa a estar seriamente em perigo.
«Se se mantiver o estado de seca, o próximo ano agrícola será um desastre total com perdas praticamente totais a todos os níveis», alerta António Mendes Santos, presidente da direcção da Bandarra – Cooperativa Agrícola do concelho de Trancoso, que assegura que as «coisas estão a agravar-se de dia para dia e de forma muito violenta». Este mês de Março é mesmo considerado «decisivo» para «definir se vai haver um desastre muito grande ou menor», diz, frisando que o ano agrícola pode já estar perdido com tanto tempo de seca. O responsável pela Cooperativa Agrícola de Trancoso refere mesmo que, «a não ser que agora viessem chuvas persistentes durante meses», a recuperação da produção de maçã já é «quase impossível». As cerealíferas, como a aveia e o centeio, são outras das culturas que estão a ser «afectadas fortemente» e, a partir de agora, começam outras, como a batata, a fruta e mesmo a vinha poderá estar em risco, indica. Contudo, no que concerne à batata, legume que Trancoso costuma produzir às milhares de toneladas, ainda há uma réstia de esperança de que a situação se possa inverter: «Este mês vai ser decisivo para a batata. Se vier a chover, ainda poderá haver produção. Caso contrário, se a seca se mantiver, nem semear se consegue. A despesa, pelo menos parte dela, já está feita e haverá perdas totais», alerta.
Também na produção de forragens, as coisas tornam-se mais complicadas «a cada dia que passa», o que provoca uma situação «muito delicada que se vai reflectir no próximo ano», garante. E tudo aponta, de igual modo, para um provável «reflexo muito grande na cultura do castanheiro e na próxima produção de castanha. «Não havendo chuva ao longo destes próximos meses, estou convencido de que não haverá literalmente produção de castanha, o que equivale a mais algumas dezenas de milhares de euros de prejuízo na nossa região», receia António Mendes Santos. Deste modo, os elevados prejuízos em termos monetários acabam por ser inevitáveis. Em relação aos cereais, «já dificilmente recuperam» e estão perdidos «milhares de euros» em termos de forragens, o que se torna ainda mais grave quando as palhas estão a atingir «preços astronómicos», na ordem dos 15 cêntimos o quilo. Apesar deste cenário nada animador, o valor dos produtos agrícolas ainda não sofreu uma subida acentuada, a não ser as palhas e os fenos que estão a «preços terríveis». A seca ainda não teve «grandes reflexos» na batata e nas frutas, mas a breve prazo a situação pode mudar, já que «as coisas vão começar a agudizar-se a partir de agora».
Número de animais para abate tem vindo a «decrescer gradualmente» desde Dezembro
Se em termos dos produtos agrícolas o panorama é muito sombrio, em relação à criação de gado a conjuntura também não é nada animadora. Amadeu Salvador, director-executivo do Matadouro Beira Alta, na Guarda, diz mesmo que se está a viver uma situação «um bocado caótica porque as pessoas não têm nada para alimentar os animais. As carcaças que vêm para o matadouro são de animais magros, uma vez que não têm comida e os acabamentos que deviam ter. Há, naturalmente, menos animais, pois os produtores não os podem sustentar e têm que os vender em pequenos», sublinha. Daí não ser de estranhar que o nível de abate tenha vindo «a decrescer gradualmente desde Dezembro», adianta Amadeu Salvador. Motivos que fazem com que «necessariamente» o preço da carne tenha aumentado. Sem querer adiantar o montante da subida, o director-executivo do Matadouro Beira Alta sempre diz que «é um facto que o preço subiu, tanto na venda ao público, como na produção». Diariamente, os lamentos dos produtores fazem-se sentir no Matadouro Beira Alta. Assim, para além da diminuição do número de abates, os animais entram em «piores condições corporais», o que leva ao «desespero» de quem tem vacas de campo, tendo que optar pelo seu abate «porque não têm nada que lhes dar», conta Amadeu Salvador.
Número de animais mortos devido à seca continua a subir
Entretanto, as associações de criadores de animais do distrito queixam-se de que a situação está cada vez mais difícil de suportar. «Isto está cada vez pior», garantem em uníssono, António Louro e José Manuel Nunes, presidente e veterinário, respectivamente, da Acriguarda. Apesar de não ter dados que lhe permitam apontar com exactidão a quantidade de animais que já morreram devido à seca, José Manuel Nunes assegura que o número tem vindo a crescer de forma gradual. Os pastos são «cada vez menos» e é «urgente haver medidas de apoio», reforça. No entanto, o técnico acredita que com a tomada de posse do novo Ministro da Agricultura, oriundo do distrito, vai haver uma «maior sensibilidade» para as dificuldades que os criadores de gado estão a passar no distrito da Guarda. Manuel Marques Pinto, criador de gado de Maçainhas, Guarda, queixa-se de que a situação está «péssima».
Ricardo Cordeiro