O ano que agora inicia irá encerrar uma década marcante que, com toda a certeza, não deixará de merecer a atenção cuidada dos futuros historiadores contemporâneos.
Com grande probabilidade, eles não deixarão de escalpelizar o agonizante período de crise financeira sistémica que afetou as principais economias mundiais, com especial incidência nos países economicamente mais vulneráveis, como Portugal. Dessa crise financeira e económica, que rapidamente alastrou às dinâmicas políticas e sociais, poderão ter nascido, em parte, alguns dos mais prementes flagelos que em 2020 continuarão a afetar a Humanidade em geral e a Europa em particular: a crise humanitária dos refugiados que, oriundos dos mais instáveis países africanos, fogem em massa da guerra, das perseguições e da pobreza extrema; e a emergência e afirmação preocupante de movimentos extremistas, populistas e nacionalistas que, aproveitando as fragilidades da condição humana, quando exposta a uma conjuntura adversa de endividamento, desemprego e medo, ameaçam cada vez mais os valores humanistas do universalismo, da paz, da tolerância, da liberdade e da fraternidade. No fundo, os valores que estão na origem do grande projeto europeu e que hoje, mais que nunca, são particularmente acossados.
Mas aqueles historiadores também não deixarão de registar, pelo lado positivo, as sementes de esperança que foram lançadas nos anos mais recentes e que em 2020 continuarão, por exemplo, a mobilizar milhões de jovens por todo o mundo em defesa da sustentabilidade do planeta, num contexto de alterações climáticas galopantes, exigindo a urgente readaptação da nossa vida em sociedade.
Gostaria muito que, tanto no plano nacional como internacional, essa década que terminará em 2020 ficasse também marcada pela reabilitação e consolidação do projeto cultural do Vale do Côa, de modo a que se cumpram, em definitivo, os desígnios que estão na sua génese: ser um projeto de salvaguarda, preservação e valorização do património cultural e natural da região – em particular a Arte Rupestre inscrita na lista do Património Mundial da UNESCO; ser um polo de irradiação e disseminação de conhecimento científico multidisciplinar; ser um agente de formação para o património, um verdadeiro parceiro das instituições educativas, que contribua para a sensibilização de novos públicos; e ser um agente económico dinâmico, verdadeira plataforma de valorização de recursos endógenos de uma região alargada.
Essa vocação estratégica deste projeto cultural terá, por isso, de se afirmar nos planos local, nacional e internacional: no plano local, pelo aprofundamento da sua relação com as instituições e as comunidades, promovendo uma efetiva política de cooperação, que inspire confiança e renove a esperança; no plano nacional, pelo estabelecimento de parcerias com outras instituições de referência que se associem aos objetivos, visão e missão deste projeto; e no plano internacional, pela integração em redes de cooperação que coloquem o Vale do Côa no lugar que lhe cabe por direito próprio: o de ser uma região ímpar, plena de potencialidades e recursos, um exemplo paradigmático de afirmação do espírito transnacional, inclusivo e cosmopolita da Arte, da Cultura e da Ciência.
* Presidente da Fundação Côa Parque