Estava preocupado com a crónica que tenho que escrever regularmente. Isso acontece-me amiúde, porque às vezes os temas que temos pensado para determinado momento perdem atualidade quando chega a altura de a entregar.
Enquanto andava às voltas vi um artigo sobre os conceitos de gestão social do Banco Mundial que me deixaram perplexo, num momento em que os sacrossantos ditames do mercado condicionam toda a atividade económica e social nos países e na nova ordem de desenvolvimento que se está a impor e aceite de forma passiva por cada vez maior número das pessoas, que são, afinal, as vítimas maiores de toda esta movimentação.
O Banco Mundial estabelece, em 1996, uma doutrina à volta do conceito de gestão social cujas linhas gerais foram plasmadas em 2001, num documento intitulado “From Safety Net to Springboard”. Nela desenvolve-se uma extraordinária antropologia da pobreza.
Vejamos então o que diz o supracitado documento: «Como temem cair na miséria e não poder sobreviver, os pobres não querem correr riscos e têm dúvidas em lançarem-se para atividades de maior risco mas que são também mais lucrativas. Em consequência não estão somente em situação de não aproveitar as oportunidades que lhe são oferecidas pelo processo de globalização, como estão mais expostos aos riscos acrescentados que muito provavelmente derivam desta. Como não podem correr riscos e levar a cabo atividades produtivas mais rentáveis, é muito provável que não possam assim como os seus filhos sair da pobreza. É por isso que a melhoria da sua capacidade de gestão do risco é um potente meio de reduzir a pobreza de forma duradoura». Mais adiante refere-se que «a experiência dos países da OCDE mostra que a proteção contra o risco por parte de um Estado do Bem Estar Social reduz o espírito empreendedor».
«Quem tem muito dinheiro, por mais inepto que seja, tem talentos e préstimo para tudo; quem o não tem, por mais talentos que tenha, não presta para nada» (Padre António Vieira).
Conclusão lógica: se querem prosperar assumam riscos seus mandriões.
Jorge de Sena sobre os portugueses: «O nosso mal, entre nós, não é sabermos pouco; é estarmos todos convencidos de que sabemos muito. Não é sermos pouco inteligentes; é andarmos convencidos que o somos muito».
Engenheiro civil e escritor de fim de semana, primeiro, depois no exílio voluntário, professor na área das humanidades e escritor a tempo inteiro. Como tantos outros, recusou viver numa sacristia de 92.391 quilómetros quadrados. Abdicou de viver numa pátria povoada de sombrios contentinhos suficientemente «reacionários» e suficientemente «dos nossos». Partiu com apoquentação de não poder pensar e dizer livremente. Lecionou, escreveu muito, imenso e fabulosamente. Viveu nos Estados Unidos até à sua morte em 1978.
Deu a Portugal um dos mais belos textos sobre Camões, numa cerimónia a que assisti na Guarda no distante 10 de Junho de 1977. Pensem nisto: «Quem se queixaria de ser coxo se toda a humanidade coxeasse» (Eça de Queiroz, “A Cidade e as Serras”).