P – Como foi estudar viola d’arco para o Royal Welsh College of Music and Drama, de Cardiff, na País de Gales?
R – Foi de facto fruto de uma situação inesperada… Fiz provas para a Guildhall School, na qual fui aceite, em Londres no dia 27 de novembro de 2017 para ingressar no ensino superior no ano letivo seguinte. No entanto, ainda no aeroporto de Londres fui informada de que, naquela semana, realizar-se-ia um masterclass em Castelo Branco com uma professora de Cardiff. Decidi ir e nesse masterclass a minha agora professora Dorothea Vogel perguntou-me se quereria ir estudar com ela para Cardiff. Pensei que fosse uma piada, mas no dia seguinte já tinha um email do diretor de Departamento de Cordas a dizer os passos que tinha de fazer para ingressar na escola. Assim fiz, e fui aceite na Royal Welsh College of Music and Drama com uma bolsa de mérito.
P – Como estão a correr os estudos? O que pretende fazer a seguir?
R – Felizmente os estudos correm bastante bem. Continuo a esforçar-me ao máximo para poder obter os melhores resultados. Após terminar a licenciatura gostava muito de prosseguir com os estudos e fazer um mestrado em ensino ou em performance noutro país europeu. Gosto da ideia de poder viajar, conhecer culturas e técnicas diferentes, penso que isso me tornará uma instrumentista melhor e mais completa.
P – Espera regressar a Portugal como instrumentista profissional, ou está fora de questão?
R – É difícil dizer… Definitivamente gostava imenso de regressar a Portugal um dia e poder fazer a diferença no mundo da musica cá. Portugal tem vindo a fazer grandes progressos no que toca à valorização das artes, mas há ainda um longo caminho a percorrer e eu gostava de ser parte desse caminho. Mas para já, penso que é ainda cedo para dizer com certeza o que vai acontecer no futuro, tanto posso voltar após os meus estudos, como posso também ficar por lá, ou por outro país.
P – Iniciou-se no Conservatório de Música de S. José da Guarda. Que recordações guarda dessa formação?
R – Sim, o Conservatório de Música da Guarda foi a minha primeira casa musical… Ali iniciei os meus estudos em 2009 sob a orientação da professora Olena Sokolovska, cujo apoio, sabedoria e paciência foram definitivamente fulcrais e incentivaram-me a aspirar cada vez mais alto e a nunca desistir. Estou-lhe eternamente grata por isso. Guardo muitas recordações do Conservatório, umas melhores, outras menos boas, mas é assim que deve ser, pois umas ajudam-nos a crescer, outras relembram-nos da recompensa do nosso esforço. Lembro-me que quando entrei para o Conservatório uma das auxiliares disse: «Alunos pequeninos, há muitos! Depois no 5º ano ficam menos e no 7º menos ainda. Depois no secundário temos só 2 ou 3». E penso que nesse momento decidi que ia lá chegar, pela diversão do desafio, que mais tarde se tornou uma paixão!
P – Com tantos concertos agendados por estes dias, acha que a quadra natalícia é uma boa oportunidade para divulgar grupos e alunos das escolas de música e Conservatórios da região?
R – Definitivamente. Nesta quadra natalícia é já tradição partilhar-se também a música com a região. Penso que nesta altura tanto alunos, como público, têm mais vontade em tocar e ouvir, respetivamente, de modo a partilharem algo tão belo como é a música. Por vezes, esquecemo-nos que o interior tem também jovens muito talentosos. Ouvimos falar do que se passa nas grandes cidades, mas por vezes esquecemo-nos de olhar para o que está bem perto de nós. Esta é a altura perfeita para os músicos da região mostrarem o que valem.
P – Como vê o panorama artístico na região, em especial da música?
R – Sinto que agora, que já saí da cidade, consigo fazer uma análise mais realista do que a visão que tinha há alguns anos. Quando estudava na Guarda, como não tínhamos muitas oportunidades a nível artístico, cada pequena oportunidade que surgia era vista como algo enorme! Lembro-me de quando participei na Jovem Orquestra Portuguesa. Foi uma experiência que me abriu muito os olhos. Percebi que todas as oportunidades que considerava “enormes” eram, muitas vezes, tomadas como garantidas em cidades maiores.
Por um lado, é complicado para os jovens artistas da região não ter tantas oportunidades como os das grandes cidades do litoral, mas, por outro, torna-nos pessoas mais proativas ao forçar-nos a procurar mais e mais e ao fazer-nos valorizar todas as pequenas coisas que nos são dadas. Contudo, estamos a fazer grandes progressos! Uma das mudanças que gostava de sublinhar é agora a Guarda ser residência artística da Orquestra Académica Filarmónica Portuguesa, o que traz música para o interior do país dando oportunidade não só aos músicos, como também à população para ouvir mais música clássica.
P – Para além do talento… fale-nos do seu esforço para merecer tantos aplausos e ter conquistado uma bolsa internacional para aprender a fazer aquilo de que gosta.
R – Agradeço o elogio. De facto, o talento não vale de nada quando não há esforço. Eu tento sempre reger-me por esta filosofia: por muito complicado que pareça o caminho para alcançar o que quero, não posso desistir, pois se não trabalhar para chegar onde quero ninguém o fará por mim. É difícil fazê-lo em qualquer área, mas na música acresce-se o desafio de esta não ser ainda vista por muitos como uma profissão. O facto de todos os dias poder pegar na minha viola e tocar lembra-me do quão sortuda sou por poder fazer o que adoro, e isso proíbe-me de desistir. Sim, são muitas horas de estudo, muitos sacrifícios noutras áreas da vida, mas quando toco num concerto e vejo o sorriso na cara das pessoas (ou uma lágrima, quem sabe) sei que tudo vale a pena e penso para comigo: missão cumprida.
Perfil de Ana Margarida Lamelas:
Profissão: Estudante de viola d’arco
Idade: 19 anos
Naturalidade: Guarda
Currículo: Aluna do Conservatório de Música de São José da Guarda 2009-2018; Estudante do ensino superior na Royal Welsh College of Music and Drama, Cardiff; Participou na Orquestra Sinfónica Ensemble (2015), na Jovem Orquestra Portuguesa (2016), na Jovem Orquestra Eslovaca (2017) e na Orquestra Académica Filarmónica Portuguesa (2018); Voluntariado no Museu da Guarda e na ADM Estrela; Presidente da Associação de Estudantes do Conservatório de Música de São José da Guarda 2016-2017
Livro favorito: “O Braço Esquerdo de Deus”,” de Paul Hoffman
Filme preferido: “A Vida é Bela”, de Roberto Benigni
Hobbies: Ler, escrever, passear ao ar livre, tocar bandolim…