Previa-se, há uns anos atrás, que o sistema de financiamento da Segurança Social iria entrar em ruptura por volta de 2010. Este, como é sabido, assenta no princípio de que os descontos feitos por cada contribuinte durante o seu tempo de actividade serão, devidamente investidos, suficientes para o sustentar durante o tempo de vida remanescente após a reforma. Acontece que este princípio padece de um pecado original e que consiste no facto de haver muitos beneficiários que não fizeram descontos suficientes para as reformas que auferem. Esses beneficiários não contribuintes acabaram por ser a maioria dos primeiros beneficiários após a implementação e generalização do sistema, gerando neste um défice crónico.
Mas acontece também que o sistema foi torpedeado por vários lados. Ainda na década de 90, Cavaco Silva foi buscar aos cofres da Segurança Social o dinheiro necessário para pelo menos parte das auto-estradas que construiu. As quebras de natalidade e a diminuição das taxas de mortalidade diminuíram a população activa e aumentaram o número de reformados. Neste preciso momento, por cada reformado a receber pensão há apenas 1.4 trabalhadores no activo a efectuar descontos – e há que não esquecer que destes descontos sai também o dinheiro para os subsídios de desemprego e de doença. Santana Lopes acaba de dar mais uma machadada no sistema, fazendo assumir à Segurança Social a responsabilidade pelo pagamento das pensões da CGD, da ANA e de outras entidades, confiscando ao mesmo tempo os respectivos fundos para preencher o défice orçamental de 2004. Este gesto, já agora, é tanto mais triste quanta a inutilidade do défice em si: não houve investimento público, não se lançaram obras de vulto, não houve retoma nem melhoria das condições de vida, os salários dos funcionários públicos continuaram congelados e os impostos não desceram.
Dirão que não vale a pena chorar sobre o leite derramado, e é verdade, mas é essencial que o responsável por este crime perca as próximas eleições, de preferência por números que não deixem dúvidas. Essencial, também, é resolver o problema – sabendo-se hoje que a data previsível de ruptura do sistema foi substancialmente antecipada.
José Sócrates ainda nada disse sobre o assunto, mas vai ter de abrir o jogo. Uma das soluções que têm sido apontadas consiste em aumentar a idade da reforma, atendendo ao aumento da esperança média de vida dos portugueses. É uma solução, mas assenta numa falácia: a esperança média de vida tem aumentado graças, sobretudo, à queda da mortalidade infantil e à melhoria e generalização dos cuidados médicos proporcionados pelo sistema nacional de saúde. A verdade é que a qualidade de vida dos nossos idosos tem vindo a baixar, na mesma proporção em que têm vindo a aumentar os problemas relacionados com a obesidade e as modernas doenças civilizacionais. Em suma: não vai compensar manter no activo trabalhadores com idades superiores a 65 anos se a grande maioria deixa de ser produtiva com essa idade. A pergunta mantém-se.
Por: António Ferreira