Os Dias Internacionais, Mundiais e outros que tais instituíram-se para que, no âmbito dos respetivos temas, determinados grupos e recursos naturais sejam lembrados e, acima de tudo, para refletir sobre o que já se fez e ainda falta fazer para, se possível, eliminar as vulnerabilidades a que continuam a expostos. Significará isto que é sempre muito mau sinal o ter de se inscrever no calendário mais o Dia disto ou daquilo. Se a água não fosse, cada vez mais, um bem escasso, não era preciso o Dia da Água, se a tortura e a escravidão não persistissem em parte alguma, não era preciso o Dia dos Direitos Humanos, o mesmo para o ambiente, as mulheres e por aí fora. Ressalvo, talvez, o 14 de fevereiro que mais interessará aos vendedores de sonhos e ilusões adornados a veludo que aos namorados propriamente ditos.
Voltando ao que importa, esta semana comemorou-se o Dia da Pessoa com Deficiência e, se há dias que devem suscitar reflexões mais demoradas do que outros, este é um deles. Porque, mesmo depois das rampas para as cadeiras de rodas nos passeios, dos lugares de estacionamento para qualquer problema de mobilidade, dos intérpretes de língua gestual no canto do ecrã do telejornal, das praias acessíveis, dos automatismos falantes para dispensa de qualquer coisa, da escola inclusiva, da sociedade inclusiva, de tudo e mais alguma coisa inclusivo, perceber que persiste o paradigma da “ajuda” é, no mínimo, frustrante para quem trabalha em prol da inclusão. Isto porque, na minha opinião, “ajuda” é isso e só isso. Um auxílio pontual em situações extraordinárias e nenhum deficiente o é pontual ou extraordinariamente. É-o e pronto. Para além de que “ajudar” pressupõe sempre uma relação de sobranceria do mais forte para com o mais fraco, com a agravante de se exigir ao mais fraco que funcione de forma idêntica à do mais forte.
O que, depois de tantos filmes, desenhos, poemas e textos vários sobre as diferenças e desigualdades, disseminados na Internet apenas para apelar à lágrima ao canto do olho, ainda mais espantará. Ver alguém emocionar-se com as vicissitudes da vida de um cego, de um paraplégico, de um surdo ao ponto de o querer “ajudar”, em vez de pensar na maneira de eliminar as barreiras físicas e linguísticas deve, obrigatoriamente, levar-nos a concluir que, se muito já se fez, muito ainda há a fazer para incluir as pessoas portadoras de deficiência. Desde logo, lembrar que um paraplégico só precisará de ajuda se o quisermos pôr a subir escadas de cadeira de rodas. Um cego só precisará de nós se a “senhora do multibanco” emudecer. Um surdo só se sentirá perdido e confuso se não conseguirmos comunicar com ele. Tivessem todos os passeios rampas e estivessem sempre desobstruídos que só excecionalmente precisaríamos de ajudar os que se deslocam em cadeira de rodas, caminham apoiados por um cão e/ ou uma bengala, a seguir o seu caminho. Quando a maioria perceber que incluir não é obrigar o outro a funcionar como eu próprio funciono, mas sim modificar o ambiente para que o outro possa funcionar à maneira dele talvez possamos apagar do calendário o “Dia da Pessoa com Deficiência”.