Nos anos sessenta havia quem acreditasse que o maior problema da Humanidade no ano 2000 seria o do excesso de população. Tinham razões para isso, já que a progressão dos nascimentos e a melhoria da qualidade de vida, que garantia maiores longevidades, apontavam para números descomunais a longo prazo.
Acontece que houve algumas pedras na engrenagem. Na China, por exemplo, foram instauradas políticas demográficas rigorosas, incluindo a proibição de mais de dois filhos por casal – com um efeito perverso: há na Ásia uma preferência por filhos varões, o que implica que se o primeiro filho de um casal for uma menina, o segundo vai ter de ser à viva força um menino. As modernas técnicas tornaram possível a determinação do sexo in utero, o que aumentou exponencialmente os abortos voluntários no caso de o segundo filho ser previsivelmente do sexo feminino e interferiu de modo decisivo na relação masculino/feminino estabelecida pela natureza. Há hoje províncias chinesas em que, em lugar de nascerem 104 meninos por cada cem meninas, nascem 130 e mais.
Consequências? Os homens, apesar do mítico prémio Rockefeller, não conseguem parir. É preciso uma mulher para o trabalho e, na China, há cada vez menos. Segundo as previsões da ONU vai passar a haver, em cada cinco rapazes, um que se não vai casar nunca e se não vai reproduzir. Há outro problema na China, e que consiste em as mulheres terem começado a trabalhar e terem menos disponibilidade para ser mães. Agora basta-lhes um filho – e convém que seja rapaz.
Significa tudo isto que a população chinesa vai atingir o seu pico máximo em muito pouco tempo, dois ou três anos, e vai começar a diminuir. E a envelhecer.
O problema é que na China apenas uma minoria da população activa está abrangida pela protecção da segurança social e que, de aqui a vinte anos vai haver centenas de milhões de homens solteiros que não vão ter reforma nem filhos que os possam sustentar.
No resto do mundo, e sobretudo na União Europeia, vai haver problemas semelhantes. Vai continuar a envelhecer a população (a ONU prevê para Portugal, em 2020, uma idade média de 44 anos contra os actuais 37, já muito elevados), vão nascer cada vez menos crianças (uma média hoje de 1,45 nascimentos por mulher, insuficientes para garantir a reposição de gerações já que seriam necessários pelo menos dois filhos por mulher), vai passar a haver cada vez menos pessoas em idade activa a descontar para a segurança social e vai haver cada vez mais pensionistas.
Para resolver o problema dos futuros pensionistas, seria necessário garantir que os descontos daqueles que estão em idade activa fossem reprodutivos, que fossem investidos de maneira a que garantissem a sua reforma sem qualquer tipo de sobressaltos. É por isso, com esse objectivo, que os fundos de pensões costumam ser os grandes animadores das bolsas de câmbio no final do ano.
Os dinheiros dos fundos de pensões são investidos na bolsa e criam riqueza. É uma das formas de manter o sistema viável, de enfrentar a dura realidade actual e que consiste em haver apenas 1,4 contribuintes no activo por cada beneficiário da segurança social.
É por isso que a decisão do governo em confiscar o fundo de pensões da Caixa Geral de Depósitos para cobrir os custos da sua má governação é duplamente criminosa, não servindo de desculpa a falta de alternativas já que foi a sua incompetência que provocou este desgraçado dilema.
Nota: para quem se interesse por estes temas sugiro a leitura de um notável ensaio (onde fui buscar a inspiração e alguns dados para esta crónica) em http://www.foreignaffairs.org/20040501faessay83307/phillip-longman/the-global-baby-bust.html
Por: António Ferreira