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“Quem apanha antes do Natal, deixa o azeite no olival”

Para alguns olivicultores, a azeitona começou a ser apanhada cedo demais. Outros esperam um ano de muito e excelente azeite

Num terreno acidentado e em socalcos, junto ao rio Mondego, a algazarra e as brincadeiras das crianças anunciam um ambiente de festa. A tradição repete-se todos os anos por esta altura, os olivais enchem-se de pessoas para a apanha da azeitona. Enquanto os pais varejam em cima das oliveiras, os miúdos brincam ao seu redor e as mães, agachadas, separam a azeitona dos ramos velhos. Afinal, a tradição ainda é o que era.

Em Pêro Soares, no concelho da Guarda, num olival com cerca de dois hectares, duas famílias fazem a apanha da azeitona numa tarde solarenga, mas fria. Celeste Lopes e o marido já trabalham nesta quinta há nove anos e todos os anos fazem a colheita. «Acho que a azeitona está igual ao do ano passado», diz timidamente Celeste Lopes, mas «a quantidade ainda é bastante». O que já é certo é que este ano a azeitona «não está tão picada pelo bicho», constata. Leonel Salvador, proprietário da quinta, prevê que a produção deste ano seja um «bocadinho menos», lastima, adiantando que, normalmente, a produção das cerca de duzentas oliveiras costuma rondar os 350 litros de azeite. Já em termos de qualidade, a azeitona também «não encheu muito, está como lhe chamam “encornichada”», explica o proprietário. Mas já dizia o velho ditado “Quem apanha antes do Natal, deixa o azeite no olival”. A culpa é das condições climatéricas: «Faltou-lhe chuva nos últimos tempos», garante Leonel Salvador, por isso «o período de seca, depois do mês de Setembro, acabou por prejudicar a qualidade». Mas há segredos para melhorar a qualidade do azeite.

Por exemplo, «a colheita deve ser feita o mais depressa possível», refere o responsável, adiantando que para isso o pessoal contratado deve colher tudo num máximo de oito dias. Caso contrário, corre o risco da azeitona fragmentar no próprio saco. Mas, se tudo correr bem, «o azeite deve ter cinco décimas, que é o valor dos últimos anos», assegura Leonel Salvador. Usualmente, a sua produção destina-se para consumo próprio. «A família é grande», avisa. Fora de questão está a introdução de máquinas, pois o terreno é pequeno e está dividido por socalcos. «Seria uma despesa maior e pouco rentável», sustenta. Assim sendo, o método mantém-se inalterado. Com varas, os trabalhadores varejam os ramos das oliveiras. Depois as azeitonas, as folhas e os ramos caem nos toldos que estão estendidos junto às árvores. Entretanto, as mulheres juntam as sobras e separam a azeitona dos ramos, ou seja «a azeitona é apurada para ser ensacada», explica Leonel Salvador. A colheita é também aproveitada para se fazer a poda das oliveiras.

Antes de ir para o lagar, a azeitona é limpa das impurezas através de um ventilador e depois é embalada em sacos próprios.

Muita quantidade e boa qualidade

Quase a terminar mais uma campanha, que começou no princípio de Dezembro, as perspectivas da colheita deste ano são auspiciosas para algumas cooperativas de olivicultores da região. Para António Lobão, presidente da Adega Cooperativa dos Vitivinicultores e Olivicultores de Freixo de Numão, a qualidade do azeite prevista para este ano «é semelhante à do ano passado», com a qual já recebeu algumas distinções e prémios de nível internacional. Por isso, espera que este ano não seja excepção. Quanto à quantidade verifica-se um acréscimo «na ordem dos 20 a 30 por cento», adianta António Lobão, o que se deve também ao aumento do número de associados, cerca de 150 novos sócios. Assim, já entraram na cooperativa cerca de 1,5 milhões de quilos de azeitonas. Sendo um Lagar Ecológico, a cooperativa tenta fazer jus ao nome e tem já cerca de 15 por cento dos seus associados que praticam a agricultura biológica. Mas o presidente da cooperativa espera conseguir envolver um número maior de sócios a curto prazo. No lagar, a azeitona «passa por uma máquina que a limpa, outra que lava e depois é pesada numa balança», conta minuciosamente António Lobão. Depois é realizada a análise e «o produtor leva, logo, um talão com a produtividade e o nível de acidez», refere. Por ano, a cooperativa de Freixo de Numão produz cerca de 200 mil litros de azeite, vendidos no mercado nacional, europeu e não só. Actualmente, exporta azeite engarrafado para a Suíça, França, Alemanha, Dinamarca e Japão.

Na Cooperativa Agrícola de Olivicultores do Fundão este parece ser o melhor ano dos últimos tempos, pelo menos em termos de quantidade. Apesar da colheita ainda não ter terminado, já receberam 1,6 milhões de quilos de azeitonas, segundo dados actualizados na passada quinta-feira. Isto é, mais quatrocentos quilos do que no ano passado. Para além da quantidade «excepcional», já que se espera atingir 1,9 milhões de quilos, também a qualidade está rotulada como sendo «excelente», congratula-se Renato Amador, gestor da cooperativa. O que se deve em grande parte às condições climatéricas. «Têm sido anos atípicos», constata o gestor. Mas aos bons factores meteorológicos estão associados outros, como o melhor tratamento que os produtores fazem aos seus olivais. «Esta já é considerada a melhor lavra dos últimos tempos», garante Renato Amador. A produção da cooperativa fundanense é vendida exclusivamente para o mercado nacional, «mas a exportação pode ser feita por particulares», ressalva o responsável. Neste momento o preço de venda ao balcão do azeite extra – «que é aquele que tem uma acidez máxima de oito décimas» – ronda os 4,46 euros por litro. Apesar do grosso da produção já ter entrado na cooperativa, a colheita prolonga-se até meados de Janeiro. Em Gouveia, a jornada começou com uma qualidade «muito inferior a outros anos, mas agora já está a melhorar», confessa Eduardo Saraiva, director da Cooperativa agrícola dos Olivicultores de Gouveia. Por causa das condições meteorológicas a azeitona foi apanhada «muito madura», justifica o director, que aguarda pelo final da época de colheita, em Janeiro, para revelar a quantidade obtida.

Patrícia Correia

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