O Vaticano nomeou terça-feira D. Manuel Rocha Felício para Bispo Coadjutor da Diocese da Guarda. Esta decisão deve-se em grande parte ao estado de saúde de D. António dos Santos, afastado da diocese desde Junho para tratamentos hospitalares, e concede ao novo prelado o direito de sucessão se, por algum motivo, o titular do cargo de bispo residencial deixar de o assegurar. Manuel Rocha Felício, de 57 anos, natural de Mamouros (Castro Daire), é actualmente Bispo Auxiliar de Lisboa e dedicou grande parte do seu percurso religioso à vida académica.
O futuro Bispo da Guarda foi ordenado sacerdote da Diocese de Viseu em 1973 e Bispo em 2002, tendo trabalhado na Conferência Episcopal Portuguesa no diálogo ecuménico e inter-religioso. Ao nível da formação e funções académicas, estudou nos Seminários Diocesanos de Viseu entre 1960 e 68 e é licenciado e doutorado em Teologia pela Universidade Católica. Entre 1998 e 2001 foi director do Instituto Superior de Teologia das Dioceses da Guarda, Lamego e Viseu e é membro efectivo do Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade Católica Portuguesa. Ainda não é conhecida a data da sua vinda para a Guarda. Desde Junho que a Diocese tem sido gerida pelo Vigário Geral, cónego Carlos Pina Paula, devido à doença de D. António dos Santos. O actual Bispo da Guarda, com 73 anos, é natural de Quintã (Vagos) e chegou ao bispado a 2 de Fevereiro de 1980, tendo sido nomeado a 6 de Dezembro de 79. Foi recentemente galardoado com a medalha de ouro do município guardense, no âmbito das celebrações do 805.º aniversário da cidade. Na altura, a autarquia justificou a atribuição do galardão ao prelado «pela obra e testemunhos à frente da Diocese».
D. António dos Santos veio para a Guarda substituir D. José Policarpo, actual Cardeal Patriarca de Lisboa. Começou por ser um bispo discreto e austero e só nos últimos anos apareceu publicamente a pronunciar-se sobre as questões que mais preocupam a sociedade civil. Uma das raras excepções aconteceu em meados dos anos 80, quando o Bispo esteve ao lado dos mineiros da Panasqueira durante uma das mais graves crises do complexo. Mas longe das luzes da ribalta, o prelado teve um papel decisivo na construção do Carmelo da Guarda, do Centro Apostólico e na renovação do Seminário Maior. A ele estão também ligadas outras obras menos visíveis, mas igualmente importantes, como a Escola Teológica Superior de Leigos e as comunidades de sacerdotes. Foi também sua vontade a criação de um fundo diocesano para toda a comunidade pastoral. D. António dos Santos é tido como uma pessoa «humilde, amiga e um homem de diálogo», ficando ainda associado ao fim de uma crise de cerca de 11 anos quanto à formação de novos padres, já que, entre 1968 e 79, só se tinha ordenado um único sacerdote na diocese. Daí para cá foram ordenados mais de 60 novos párocos, mas a crise de vocações parece ter voltado.
Força «moral e do Evangelho»
Uma das suas últimas intervenções públicas aconteceu em Novembro de 2003 e não passou despercebida. Durante uma visita pastoral à paróquia de Fernão Joanes, o Bispo da Guarda apelou à união dos guardenses por projectos que beneficiem o bem comum e manifestou a sua preocupação sobre temas como o novo hospital, o impasse da Gartêxtil [falida entretanto], a crise económica ou o caso de pedofilia. Numa rara tomada de posição pública, D. António dos Santos revelou ter assumido algum protagonismo, enquanto «força moral e do Evangelho», para conseguir a resolução de alguns problemas. «Mas como não sou político nem tenho forças governamentais, faço o que está ao alcance das minhas mãos, embora disso não faça constar publicamente. Por vezes, consegue-se alguma coisa, outras não», sublinhou na altura. Em Fernão Joanes, D. António surpreendeu mesmo os jornalistas presentes ao aceitar responder às perguntas, disponibilidade pouco vista no seu recatado consulado de mais de 30 anos. A última tinha acontecido em 2001 numa visita similar à paróquia de Vale de Estrela, onde o prelado abordou a falta de médicos na região e defendeu que as instituições da área da saúde deveriam olhar de forma diferente para os utentes. Dois anos depois, o prelado esperava que obras como o novo hospital aparecessem quando o bom senso e o bem comum «prevalecerem na Guarda». O Bispo revelou ainda ter feito «alguns esforços» no caso da Gartêxtil, confessando que o encerramento de uma fábrica era como «um escuro que se abre e pelo qual farei tudo, no aspecto moral e espiritual, para que se transforme em luz». Mais melindroso, o caso da pedofilia na Casa Pia levou o D. António a apontar o dedo a alguma comunicação social, defendendo que as crianças devem merecer-nos todo o respeito. «Não vou condenar ninguém, mas temos que fazer um grande esforço para olhar por cada criança com respeito pleno até porque não têm defesas. Penso que não se devia falar de tanta coisa que prejudica as crianças que vão assistindo aos telejornais», explicou.
Luis Martins