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Sociedades de fronteira (I)

Nos Cantos do Património

A zona da raia beirã foi, ao longo de muitos séculos, uma zona periférica em relação aos principais centros políticos, económicos e culturais. E, como afirmou Fernand Braudel, a vida dos homens nas zonas periféricas fazia lembrar, frequentemente, o Purgatório ou o Inferno. Para o historiador essas dificuldades deviam-se, simplesmente, à situação geográfica.

A periferia da Beira Interior em relação à capital portuguesa foi muito notória na Idade Média, como o demonstrou a professora Maria Helena da Cruz Coelho, na comunicação apresentada em mais uma meritória iniciativa do Centro de Estudos Ibéricos. No trabalho apresentado na sugestiva sessão intitulada “Sociedades de Fronteira”, a professora da Universidade de Coimbra dissertou sobre as petições apresentadas pelos concelhos da região nas Cortes medievais, nomeadamente nos séculos XIV e XV. Curiosamente, os problemas colocados então pelos procuradores dos concelhos do interior são, ainda, pertinentes neste início do século XXI.

Com efeito, as petições ou os “Capítulos” levados às cortes pelos procuradores concelhios incidiam quase sempre no problema do despovoamento das localidades do interior e a consequente “falta de braços” para cultivar as terras mas também na falta de infra-estruturas importantes para as populações locais como as pontes que permitiam a travessia dos rios e ribeiras mais caudalosas.

No século XIV ou XV, o problema do despovoamento era um dos problemas mais prementes em algumas regiões do interior. Basta relembrar que por esta época a povoação do Castelo de Monforte, localizado no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, foi abandonada para não mais voltar a ser reocupada. Também no concelho de Pinhel, a aldeia medieval do Porto da Vide, igualmente localizada junto ao rio Côa, se desertificou. Apenas a sua igreja continuou a ser frequentada em procissões religiosas anuais de moradores das proximidades. Hoje as duas povoações medievais são, apenas, montes de ruínas cobertas de matagal.

A falta de “meios” para reconstrução das edificações básicas das povoações medievais, como os castelos e as muralhas, era outra das preocupações recorrentes. Estas construções vitais para a defesa e para a sobrevivência das comunidades do interior numa época de conflitos territoriais constantes exigiam, com frequência, obras de vulto e estavam a cargo das populações locais.

As dificuldades de comunicação no interior e as ligações do interior com o litoral pesaram, também, como um pesado ónus sobre as populações que viviam na raia beirã. Os próprios procuradores dos concelhos para participarem nas cortes realizadas em diversos pontos do país percorriam caminhos difíceis ao longo de vários dias de jornada. Em 1459 os procuradores do concelho de Castelo Rodrigo, por exemplo, terão demorado dez dias para chegar a Lisboa, cidade onde se reuniram as cortes desse mesmo ano.

Por: Manuel Sabino Perestrelo

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