Era uma vez um sítio. Igual a todos os sítios, o sítio tinha pessoas, ruas, casas, carros, polícias, ladrões, traficantes e consumidores, fábricas, lojas, bancos, putas, cafés, tascas, igrejas e um centro de saúde. E tinha uma Escola.
Era uma vez uma Escola. Igual a tantas outras Escolas com E grande, mas diferente das escolas com e pequeno, a Escola tinha alunos, professores, funcionários, salas de aula, auditórios, salas de reuniões, salas de tomar café, salas de preencher requerimentos.
Um belo dia alguém se lembrou de dizer que uma Escola a sério – uma Escola com E grande, note-se – tinha de ter cursos a sério. E, já se sabe, a sério, a sério, só há um curso. Os outros cursos são todos a fingir, só para entreter os alunos e alegrar os pais deles, que assim poderão dizer aos vizinhos que o filho já é doutor. E os próprios alunos, quando acabam os seus cursos, saem da Escola todos contentes, com um papel que afirma exactamente isso.
Mas, já se sabe, doutores a sério só há uma espécie: os doutores doutores. E então nessa Escola abriu-se um curso a sério para fazer doutores doutores. Dos verdadeiros. Que doutores dos outros já havia muitos.
E é um regalo ver agora os alunos que vão ser doutores doutores todos orgulhosos de si, que até houve um que mandou um professor doutro curso tirar o carro do estacionamento porque ele era um futuro doutor doutor e precisava de estacionar o carro naquele sítio porque ia ter aulas. Também é um regalo ver os professores dos alunos que vão ser doutores doutores todos contentes pelo prestígio que advém por serem professores de futuros doutores doutores.
Até o Senhor Director da Escola, tanto dos cursos para doutores como do curso para doutores doutores, anda tão contente com o curso de doutores doutores, que vai receber os futuros doutores doutores no primeiro dia de aulas, numa espécie de cerimónia solene e até há quem diga tê-lo visto a passear com eles de autocarro e mostrar-lhes as vistas daquele sítio.
Mas só a esses.
Aos outros não. Para recepção já têm os veteranos e as praxes e se querem ver as vistas que vão a pé.
Esta é uma historinha de ficção e qualquer semelhança com a realidade é uma porra duma coincidência e pela minha saudinha que não conheço nenhum sítio como o aqui retratado e nem acredito que possa existir e mais ainda declaro que uma Escola onde se faça um tratamento assim discriminatório de alguns alunos em detrimento dos restantes só pode ser produto de uma mente delirante, pervertida e alucinada.
Como a minha.
Por: Jorge Bacelar