Para Raúl de Tapia
Os historiadores da arte sempre gostaram de postular miríades de teorizações da relação entre arte e natureza situando – nos mais dos casos –as suas primícias nas escolas fundacionais do pensamento da humanidade, ou seja, na antiguidade clássica grega. Mas esse relacionamento não recuará muitos milénios atrás, embora sem as concomitantes postulações reflexivas? Obviamente que quando falo num desfasamento temporal mais arcaico dessa relação do homem com o meio envolvente natural, refiro-me obviamente ao período pré-histórico. Excluo dessa ligação – e talvez devesse ter começado por aí – tudo o que emana da exploração material dos recursos naturais com vista à sobrevivência animal, que obedece ao domínio do instintivo.
Para a escola de arte de Atenas, a criação humana era, como a natureza, um organismo. Para os gregos, o que chamamos de natureza é physis e, no entanto, contrasta com o conceito de arte e artesanato (tèchne). A palavra grega tèchne designa, como sabemos, a capacidade humana de idealizar, a saber, conceções esculturais, volumétricas. Por outro lado, o conceito de physis representa o Cosmos e tudo o que existe: o termo “Universo” é um conceito da Física moderna. Como physis representa o Cosmos e tudo o que existe nele, nada existe fora da physis, ou seja, não existe “fora da natureza”. Uma conceção bastante paradoxal hoje em dia, diga-se. Quantos de nós preferimos ver um programa televisivo sobre a “natureza” ao invés de praticar a ecologia, não no sentido de observar as boas normas comportamentais de preservação do ambiente, mas descobrir a ecologia, observando-a, entendendo-a, absorvendo-a? A própria Civilização Árabe considerava o conhecimento e respeito pela natureza um exercício religioso e que, segundo a filosofia sufi – um ramo místico dentro do islamismo que conhece cada vez mais seguidores –, é uma das práticas que mais agrada a Deus.
Voltando à análise historiográfica… Para os romanos, toda arte é imitação da natureza – assim o postulou o nosso conterrâneo ibérico Séneca. No período medieval, a natureza era uma obra de criação transcendente e, portanto, um elogio ao divino. Para os iluministas: a arte devia submeter-se à natureza: «Saiba-se que o segredo das artes é corrigir a natureza» (Voltaire). O Romantismo, tentando libertar-se das conceções académicas, coloca a arte em contacto com a natureza etérea através de sentimentos sublimes, mas estáticos e distantes. Para os modernistas, arte é contemplação: «É o prazer do espírito que penetra na natureza e descobre que a natureza também tem uma alma». (Auguste Rodin).
Mas era necessário chegar à contemporaneidade para se começar a perceber que, afinal, arte e natureza são algo inseparável. Começamos a entender que, afinal, arte e natureza fazem parte de uma identidade una. Com o advento da chamada Earth Art ou Earthwork dos anos 60, começou a surgir para o criacionismo visual uma ecologia num sentido mais disciplinar e a busca de uma aliança entre biologia e tecnologia, na qual as criações artísticas usam a natureza como suporte.
Todavia, talvez sempre estivéssemos até agora equivocados… E o mundo das Artes confundido sempre andaria também… Talvez porque uma vez mais, não fomos capazes de interpretar nossas origens ontológicas… Não foi por meio de uma aliança entre criação e natureza que os homens do Paleolítico – designadamente aquela variante do “Sapiens” que hoje conhecemos como Neandertais e que teriam sido os verdadeiros inventores da arte? Se hoje está demonstrado, ao contrário do que se pensava anteriormente, que a arte paleolítica é predominantemente uma arte ao ar livre – numa mudança excecional de paradigma, pois cria-se que a excecionalidade é a arte pariental nas cavernas – o que é a arte ancestral do homem, se não uma aliança da arte com a natureza? E mesmo no período megalítico, o que são os cromeleques e os menires se não obras de arte atinentes a assinalar uma respeitosa intervenção do Homem na natureza sem dela exaurir os seus recursos? Que lição silenciosa nos deixaram esses milénios obscuros…
* Escritor