Neste fim de férias, foge-me o pensamento para a frase de Andy Hargreaves. Penso então na frequência com que, nisto do trabalho, damos de caras com gente que mais não pretenderá do que aumentar o seu próprio tempo a partir de tempo que deveria ser exclusivamente nosso. Penso em todos os agiotas das horas, com que me fui deparando e lembro dos seus traços comuns. Da indisponibilidade que, por sua vez, revelam para com os outros. Da apropriação que fazem dos maneirismos de quem consideram ser tão mais poderosos, quanto mais atarefados aparentarem ser. Da sua arte em fazer duplicar o tempo requerido para um mínimo de produtividade e do modo como arrasam a possibilidade de comunicação sempre que o assunto lhes não agrada: “não tenho tempo”. Obviamente que estes “atarefados” por vocação são já bastante mal vistos na maioria das organizações empresariais privadas. Em sentido contrário, parecem continuar a ser muito valorizados nas públicas, onde o exemplo das boas práticas deveria, por maioria de razão, imperar.
O mais preocupante, por muito mais vulgar, é perceber que a maioria das pessoas não se incomoda com tais práticas. Se, por exemplo, alguém emanar “ordens” suscetíveis de ser rececionadas pelos trabalhadores à hora do pequeno-almoço de um domingo, dos copos de um sábado à noite, ou no meio de uma festa de férias na praia, a prática é tida por normal. Podendo mesmo interpretá-la como prova do trabalho árduo e empenhado, sem hora, nem dia, de quem as emite, animando o emissor a prosseguir com tal expediente. Contudo, além de incorrer na violação de umas quantas regras, a sua normalização compromete princípios e valores que vão muito além do ato em si. Desvirtua, desde logo, as relações laborais, mas também as familiares e, eventualmente, as sociais e religiosas. Infelizmente, os neutralizados tenderão sempre a defender que isto são apenas “pormenores”, irrelevantes e inconsequentes de quem quer exibir o seu empenho. Abafando por completo a voz dos descomprometidos que interpretam nos mesmos pormenores padrões próprios da arrogância que lhes está subjacente. Por isso, a estes últimos, pouco mais restará que desabafo para com os próprios botões: “não basta o que basta, ainda têm que persistir na prática de nos entrar férias, domingos e feriados adentro”.
Neste fim de férias, quer-me parecer que a preservação do tempo, próprio e dos outros, é o que a todos mais deveria preocupar. Porque, como se diz, quem não luta pelos seus direitos, não os merece. Dito que bem nos pode servir de mote para o regresso a Hargreaves: «Por que é que Vale a Pena Lutar?». Isto, se ainda restarem disponibilidade e inclinação. Duas condições que, convenhamos, mesmo em alturas de calmaria são de muito improvável ocorrência em simultâneo. Enquanto sim e não, resta-nos a esperança de que, à semelhança de outros países da nossa Europa, sejam os serviços públicos e privados, explicitamente, interditados de incomodar os seus trabalhadores fora do horário de trabalho.