P – Como está a Quercus na Guarda?
R – Não muito diferente de há 10 anos, quando comecei a colaborar com a Quercus. Temos mais de 250 sócios inscritos desde que existe na Guarda, no entanto são poucos os que participam e acompanham a atividade do Núcleo – como pode sobreviver uma associação de base voluntária se não tiver os seus associados a colaborarem/ participarem/ darem eles próprios ideias. Fica o desafio – se és sócio entra em contacto com o Núcleo e procura colaborar, se não és sócio mas tens interesse pela proteção do ambiente entra também em contacto com o Núcleo.
P – Até que ponto os problemas com a direção nacional, nomeadamente a não transferência das quotas dos associados e de outras verbas, afeta o funcionamento do Núcleo Regional da Guarda? O que ficou por fazer nestes últimos anos devido a essas dificuldades?
R – As dificuldades sentidas com a Direção Nacional da Quercus nos últimos três ou quatro anos não se limitam apenas às questões financeiras. A eliminação por parte da Direção Nacional dos processos de discussão interna democrática entre dirigentes nacionais e regionais, impedindo a circulação de informação, a transparência da gestão interna, as dificuldades de comunicação entre os outros núcleos regionais e os órgãos sociais, a ausência de resposta às solicitações dos serviços centrais da associação, têm contribuído, infelizmente, para o afastamento de muitos dirigentes históricos da Associação que consigo levam todo o conhecimento técnico de ambiente em Portugal ao longo de mais de 30 anos.
P – E quais são as suas prioridades neste mandato?
R – A direção atual do Núcleo da Guarda irá continuar a acompanhar e a pressionar pelo fim das descargas poluentes nos rios Diz e Noéme – um problema que teima em arrastar-se. Os trilhos pelo Noéme estão a ser feitos e praticamente concluídos, mas as descargas poluentes na Gata continuam a ser visíveis e da própria ETAR de São Miguel há muitas dúvidas que a água saia totalmente tratada. Vamos igualmente continuar a acompanhar o projeto de exploração de urânio a céu aberto previsto em Retortillo (Salamanca), a cerca de 40 quilómetros da fronteira portuguesa, e com potenciais impactes para Portugal dados os ventos dominantes de leste e as águas utilizadas correrem para a bacia hidrográfica do Douro. Assim como a “bomba relógio” que representa a central nuclear de Almaraz, cuja licença de exploração é junho de 2020.
P – Está preocupado com os projetos de prospeção de lítio na região?
R – Muito se tem falado e escrito, nas últimas semanas e meses, sobre a exploração de lítio – e de outros minérios – em Portugal. Desde janeiro de 2016 a junho de 2019 houve um total de 93 requerimentos de prospeção e pesquisa de minérios, cerca de 19,3% da área territorial de Portugal (17.797,92 km2), sendo que só no primeiro semestre de 2019 foi requerida uma área global de 8.848,40 km2, cerca de 49,7% da área total dos últimos 3 anos e meio. Os municípios a nível nacional com mais requerimentos de prospeção de lítio são: Guarda e Figueira de Castelo Rodrigo. Estamos conscientes da importância do lítio para a mobilidade elétrica, mas como referiu o consórcio iNature, «a mudança que o planeta necessita reside muito mais num modelo circular de reaproveitamento e reutilização das baterias e dos componentes dos diversos equipamentos, prolongando a sua vida útil, do que uma mera substituição replicando o modelo descartável de consumo que conduziu à urgência da situação atual».
P – Quais são neste momento as maiores preocupações ambientais na região?
R – Para além das preocupações referidas atrás é nosso objetivo acompanhar o uso generalizado de herbicidas em espaços públicos. A Lei 26/2013 refere que o uso dos pesticidas seja feito em último recurso quando os meios mecânicos ou biológicos não são viáveis e a legislação atual (Decreto-Lei 35/2017) impõe restrições de forma mais explícita, proibindo a aplicação de qualquer pesticida nalgumas áreas urbanas, como jardins e parques urbanos, escolas e hospitais. No entanto, a recente divulgação (fevereiro de 2019) de análises ao glifosato presente na urina de voluntários portugueses revelaram uma preocupante contaminação crónica. Desde 2016, em que a Plataforma Transgénicos Fora, da qual a Quercus faz parte, mostrou pela primeira vez que a situação portuguesa era inesperadamente preocupante, ainda não foram tomadas quaisquer medidas que permitam desvendar o que se passa de facto no país e iniciar um caminho de redução do uso dos herbicidas à base de glifosato. É também necessário aumentar as taxas de reciclagem. Muitos cidadãos não separam os resíduos porque não sentem que são beneficiados, além de que pagam taxas de resíduos na fatura da água independentemente de os separarem ou não. O sistema designado de PAYT (Pay-as-You-Throw), existente em diversas cidades europeias, permitiria substituir a taxa de resíduos em função do consumo de água. Na semana em que a humanidade consumiu todos os recursos que a natureza pode dar durante um ano gostaríamos de incentivar os 14 municípios do distrito da Guarda a darem o exemplo tornando-se ainda mais sustentáveis com a manutenção e criação de mais espaços verdes, de corredores verdes, a redução de consumos energéticos e a implementação de unidades de autoconsumo, o incentivo ao uso da bicicleta e dos transportes públicos, o abandono do uso de pesticidas. O Núcleo Regional da Guarda da Quercus estará sempre disponível para acompanhar e colaborar com os municípios e demais entidades.
Perfil de Bruno Almeida:
Presidente da direção do Núcleo Regional da Guarda da Quercus
Idade: 32 anos
Naturalidade: Guarda
Profissão: Técnico de calibrações e ensaios
Currículo: Licenciado em Engenharia do Ambiente e mestre em Sistemas Energéticos Sustentáveis pela Universidade de Aveiro em 2012, técnico de calibrações e ensaios desde 2016
Livro preferido: “Walden ou a vida nos bosques”
Filme preferido: “The letter writer”
Hobbies: Natação, meditação, leitura