A língua portuguesa está armadilhada com um conjunto de alçapões para apanhar forasteiros e fazer tropeçar quem tenha a intenção de explicar como é que funciona este idioma amaldiçoado. Se alguém perguntar “Sempre vais ao cinema?”, eu sei que tenho de responder apenas sobre aquela vez específica sobre a qual estou a ser questionado. Como bom português, a eternidade representa-se numa única vez. Se fosse para responder se vou ao cinema todos os dias, ou pelo menos a todos os filmes, a pergunta teria de ser “Vais sempre ao cinema?”. Neste momento, qualquer estrangeiro já está com a cabeça às avessas. Mas ainda ficam a faltar as respostas. Como explicar que “nunca vou” é o mesmo que “não vou nunca”. Vá-se lá saber. (Já que falo nisto, reforço o pedido feito numa crónica de Miguel Esteves Cardoso há mais de vinte anos, e nunca atendido: alguém que venha explicar que lugar é esse (“lá”) onde se mandam as pessoas saber coisas.)
Para um português, a dupla negativa é uma forma de vida. “Não quero nada” é óptimo para confundir quem percebe lógica – que em Portugal, como se sabe, é uma batata. Não querer nada é querer tudo? Ou é querer pelo menos um bocadinho? Um bom conhecedor da pragmática lusitana compreende que essa expressão quer dizer coisa nenhuma, porque um português quer sempre qualquer coisa, especialmente quando diz não querer nada. Está feito assim para confundir o interlocutor. Este país não será nunca fácil de entender. E o leitor, sempre quer ir lá tentar saber?