Cara a Cara

«A melhor forma de inovar o meio radiofónico é ir à sua origem: o som»

Escrito por Jornal O Interior

P – Aplicou novas tecnologias ao jornalismo radiofónico de forma inovadora, acrescentando novas possibilidades à reportagem sonora. Como surgiu o interesse neste campo de investigação?
R – A minha ideia foi propor uma ferramenta complementar à rádio, nomeadamente às narrativas radiofónicas. Durante a definição do tema da minha tese de mestrado, eu quis contribuir com algo novo, ao invés de apenas analisar um tema que fosse já recorrente. Apesar do jornalismo atual dispôr de várias ferramentas e suportes multimédia para a divulgação de informação, no que toca à vertente sonora não foram acrescentadas grandes inovações. Cheguei à conclusão que a melhor forma de inovar o meio radiofónico seria ir à sua origem: o som. Explorei assim quais as potencialidades que ESTE nos oferece e qual a melhor forma de as enriquecer e decidi trabalhar no tema “Rádio Aumentada: Proposta de Reportagem com Som Binaural e Realidade Aumentada”.

P- Qual foi a tecnologia que utilizou e como a integrou no jornalismo radiofónico?
R- O que fiz foi integrar o som binaural (som tridimensional) e a realidade aumentada na reportagem de rádio tendo como premissa-chave a mobilidade. O som binaural é um recurso que já é conhecido no estrangeiro (já foi integrado em séries de TV e até em músicas), mas esta foi a primeira vez que foi aplicado às narrativas radiofónicas em Portugal. O que queria era tornar possível ouvir uma reportagem sem a necessidade de aceder a um “podcast”. Mas o meu projeto abarca, também essa possibilidade. Criei então um formato em que, através de um “trigger” localizado na rua (um símbolo ou ícone que pode ser lido por um “smartphone”), a reportagem sobre o local onde nos encontramos inicia-se e podemos continuar o nosso caminho a ouvi-la. Esta é a componente de realidade aumentada – aumentada, pois adicionamos informação digital à realidade física. Além disso, esta reportagem é feita com som binaural, ou seja, ao ouvi-la com “headphones”, transmite-nos fielmente o ambiente onde os sons foram captados, fazendo com que nos pareça que tudo está a acontecer mesmo à nossa volta. Neste âmbito fiz uma reportagem, para comemorar os 90 anos do poema “A Tabacaria”, de Álvaro de Campos, em conjunto com a celebração do 180º aniversário do bairro de Campo de Ourique, em Lisboa. O foco principal era a ideia de quando a pessoa ia na rua e estava no local das comemorações, observava a imagem representativa, e através da aplicação de realidade aumentada, a reportagem inicia-se e a pessoa podia continuar a ouvir no decorrer do seu caminho, com os seus “headphones”. Esta reportagem, tendo sido captada em som binaural, torna-se numa narrativa imersiva que reporta os sons ambiente tal como eles são, o que é uma forma muito mais dinâmica de desfrutar de uma peça de jornalismo radiofónico. Caso alguém tenha curiosidade pode ouvir a reportagem através do link: https://soundcloud.com/ana-sofia-paiva-135830275/passeio-com-fernando-pessoa

P- Este tipo de som requer a utilização de “headphones” para que seja desfrutado em pleno. Para ser feita a gravação é necessária a utilização de alguma tecnologia específica?
R- Sim. Nós ouvimos o som a três dimensões devido à anatomia das nossas orelhas e à forma como estão posicionadas. Assim, o som binaural tem de ser captado através da utilização de uma cabeça artificial, chamada “Dummy Head”, que possui duas orelhas semelhantes às nossas (encontram-se à mesma distância dos timpânos e possuem o mesmo formato de uma orelha humana), onde são colocados microfones omnidireccionais. O som vai ser captado da mesma forma como o ouvimos. É esta característica que vai permitir que o som captado transmita ao ouvinte a sensação de ter estado naquele lugar.

P – Relativamente à utilização desta tecnologia, possui algum tipo de limitação?
R – Uma questão que se coloca é que o uso deste tipo de equipamento limita um pouco o jornalista, de facto. Tendo em conta que atualmente um jornalista de rádio já consegue fazer directos e até editar som remotamente apenas com o telémovel, esta tecnologia pode tornar-se pouco prática, pois obriga à presença de pelo menos duas pessoas no local de reportagem. Outro problema prende-se sobretudo com o investimento necessário para o equipamento (começa nos 300 euros, mas o valor difere um pouco de acordo com as marcas). Hoje em dia é já um preço razoável, mas claro que este é um investimento que deve ser ponderado e que pode até nem fazer sentido para rádios com menor audiência. Ainda assim, na minha opinião, é algo que sem dúvida compensa todo o esforço.

P- Qual a reação do público à reportagem que elaborou?
R- Foi muito curioso ver a forma como as pessoas ficam surpreendidas e intrigadas. A maioria delas quer saber mais. Foi até neste sentido que fui convidada pelo Nuno Domingues, jornalista da TSF, para falar deste projecto durante a emissão do seu programa “Almoços Grátis”. O interesse da entrevista era sobretudo esclarecer as possibilidades oferecidas ao jornalismo e falar da forma como esta tecnologia transporta um pouco a rádio para o futuro, mas um futuro que está mais próximo do que imaginamos.

P – Além da reportagem que elaborou, tem em vista novos projectos que incluam esta tecnologia?
R – Estou já a desenvolver um projecto com o professor Ricardo Morais, da Universidade da Beira Interior, onde vamos aplicar novamente a realidade aumentada e som binaural neste campo tecnológico, de forma a explorar novas possibilidades, mas está ainda em fase embrionária.

Perfil de Ana Sofia Paiva:

Investigadora bolseira no projecto FCSH+ Lisboa, na Universidade Nova de Lisboa

Idade: 25 anos

Naturalidade: Unhais da Serra (Covilhã)

Profissão: Investigadora de comunicação e ciência

Currículo: Mestre em Jornalismo pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e licenciada em Ciências da Comunicação na Universidade da Beira Interior. Entre outras formações complementares ao jornalismo, fez alguns trabalhos como “freelancer”. Passou pela redação da TSF, do Rádio Clube da Covilhã e “Jornal de Belmonte”. Continua a colaborar com o jornal da sua vila natal

Livro preferido: “Ensaio sobre a Cegueira”, de José Saramago

Filme preferido: “The Green Mile” do realizador Frank Darabont

Hobbies: Ler livros e praticar desporto

Sobre o autor

Jornal O Interior

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