O sistema parece fazer sentido. Há empresas que prestam serviços ou vendem mercadorias e que, do preço que recebem por esses bens ou serviços, pagam salários, impostos e outros serviços. Do lucro que sobra, ou há reinvestimento ou pagamento de dividendos aos sócios. Sem empresas o sistema, a que chamarão o que quiserem, simplesmente não funcionava. A sociedade agradece, que são as empresas quem assegura postos de trabalho e boa parte da receita do Estado, direta ou indiretamente.
Até aqui era tudo evidente e todos conhecem as regras do jogo. Do que não se fala com muita frequência é quanto do lucro das empresas vai para os administradores e quanto estes ganham, mesmo quando as coisas correm mal. Ou muito mal.
Vou dar um exemplo: uma multinacional que opera no nosso país tem-se dado mal com a concorrência, tão mal, que tem em curso outro despedimento coletivo, desta vez a abranger meia centena de trabalhadores. No despedimento coletivo anterior despediu ainda mais, mas mesmo assim não obteve o resultado desejado. Agora, despedindo esta meia centena de trabalhadores espera uma poupança em salários de quase dois milhões de euros por ano, o que parece muito significativo se tivermos em conta que gasta em salários quase nove milhões por ano.
Isto é trágico para os trabalhadores despedidos, mas estes podem sentir alguma justa revolta se pensarem num dos pormenores do anterior procedimento: um dos administradores passou a ser não remunerado e foram despedidos dois diretores executivos — para uma poupança anual de quase um milhão de euros. Isto é, com apenas três altos dirigentes conseguiu-se uma poupança de pouco menos de metade da alcançada com o despedimento de cinquenta trabalhadores. Estes números trazem à cabeça muitas ideias, nem todas simpáticas, e ainda mais perguntas. Uma vez que quem dirige a empresa não são os trabalhadores, o mau trabalho de gestão, e a prova são os sucessivos despedimentos coletivos, não é culpa deles; atendendo aos resultados que apresentam, não seria melhor ideia despedir mais administradores, ou pelo menos reduzir-lhes a retribuição?
Esta solução parece razoável, assim como parece razoável dizer-se que os administradores das grandes empresas vendem demasiado caro o seu peixe, mesmo quando este não é bom ou cheira mal. Uma das formas de corrigir esta distorção é através dos impostos, claro, mas há sempre o risco do seu aumento provocar a fuga de capitais e empresas para lugares mais aprazíveis, com prejuízo para todos.
Outra razão para não haver tetos salariais para administradores ou mais impostos é o próprio interesse dos políticos que poderiam tomar essa decisão. Todos eles ambicionam sair do serviço público para um conselho de administração milionariamente remunerado, onde possam receber num ano mais do que nos vinte anos anteriores de subida a pulso na hierarquia do partido, onde, em vez de uma caixa de robalos, tenham como expectativa o cardume inteiro.