Por vezes dou comigo a cogitar em como o tempo é mais impiedoso para com certas pessoas do que com outras. Cada vez me deparo mais com gente que se leva demasiadamente a sério, maquilha pacientemente a máscara melodramática num quotidiano feito do expediente entre a mesquinhez e a impostura e, no seu mórbido afã de viver sob a pele de uma vida que lhe é alheia – ou pelo menos fictícia, no seu “modus vivendi” policial e moralizador – nem se dá conta que a vida se lhe vai encurtando e o espírito envelhecendo, fazendo com que o tempo biológico devore impiedosamente o tempo cronológico – “o mal e o bem, à face vem” – “vox populi” dixit.
Exemplos não faltam. Quem não os conhece? Basta observar em nosso redor a criatura decrépita, rezingueira e improfícua, crítica sagacíssima e vigilante, mas incapaz de conceber a mais leve sombra de substância – seja de que natureza for – em prol do comum. Desvelada e astuta, está sempre pronta a sacar do alforge em meneios de exemplaridade o manual implacável dos bons princípios, vituperando do púlpito, da bancada, da secretária, da mesa do café, o rol de condutas e prodígios supostamente edificantes e condizentes à grandiloquência da propaladora, procurando nas encolhas da metáfora a essência condenatória que anatemiza.
Marcel Proust, que arduamente procurou diagnosticar os liames do “temps perdu” detectou o figurino comportamental (do qual foi vítima, diga-se) em apreço deste quilate: «A maioria dos homens gasta a melhor parte da vida a tornar a outra miserável».
«Há muito que são velhas» – diria, em paráfrase do Eugénio de Andrade – «vestidas / de luto até à alma». E de alma lutuosa vão conduzindo os seus dias num breu que porfia em ofuscar as manhãs estivais de quem deseja consubstanciar uma mocidade sempre rediviva e disposta a servir os outros com a consciência do dever cumprido e a paz consigo mesmo.
No fundo a razão do flagelo deste género de malevolência está nessa incapacidade de mantermos a jovialidade, de lhe opormos uma clarividência propiciadora de recusar sermos reféns do tempo. Foi Jacques Brel que nos ensinou na sua imortal (e sempre jovem, já agora) – “Chanson des vieux amants” que «Il nous fallut bien du talent / Pour être vieux sans être adultes». Urge buscar esse talento de carregar o peso dos anos com espírito rejuvenescente, sem sermos adultos conduzidos pelo pessimismo, sectarismo e o preconceito.
É do abandono de nós mesmos que podemos encontrar a fórmula que nos permitirá recusarmos a condição de espíritos precocemente encanecidos (que nada tem a ver com o nesciamente chamado “Síndrome de Peter Pan”), mas como um compromisso com o que pode restar no mundo de sonho, magia e utopia, através de mentes livres, descomplexadas, abertas e sadias.
Recusemos abandonar o avatar da juventude vivificante. Até porque, como dizia Picasso, «demora muito tempo até nos tornarmos jovens»…
PS: Aos leitores de O INTERIOR formulo votos de bom Natal ou, se não for esse o caso confessional, um feliz Solstício de Inverno…