Entrar no Museu Etnológico de Melo (Gouveia) é meio caminho andado para recuar no tempo e dar de caras com autênticas relíquias da arte da carpintaria. São várias as ferramentas que “forram” as paredes do rés-do-chão da casa de Luís Filipe Gonçalves e contam a história da arte de trabalhar a madeira.
A 1 de maio de 1999, Luís Filipe Gonçalves arregaçou as mangas e criou o Museu Etnológico de Melo (Gouveia). Tudo graças ao bichinho da carpintaria que o acompanhou desde os 17 anos, altura em que se estreou na profissão.
Embora tenha sido um homem dos sete ofícios, passando pelo ramo da sapataria, da saúde e dos automóveis, ficou sempre «a ideia de mais tarde fazer a recolha destas ferramentas que hoje estão praticamente extintas», refere Luís Filipe Gonçalves, que tem mais de 250 peças no museu. Há plainas, esquadros, fitas métricas, réguas, serras, machados, martelos, goivetes, serrotes, macetas e até formões. «Parte destas ferramentas são de carpinteiros que já faleceram e que residiam aqui na freguesia», revela o reformado, convicto que este projeto tem sido uma mais-valia para Melo e para a região. «Na zona não há um museu como este», sublinha. Mas desengane-se quem pensa que vai ao Museu Etnológico de Melo e sai de lá sem saber nada. Foi para satisfazer os mais curiosos que o promotor passou da teoria à prática e reproduziu plainas de moldura em miniatura «para que, pedagogicamente, se entenda a diferença» entre as ferramentas, explica.
O antigo carpinteiro também faz questão de mostrar aos mais “abelhudos” o seu trabalho na carpintaria improvisada. «Na minha garagem tenho o torno, onde faço certos materiais e algumas pessoas gostam de ver como trabalho», diz, satisfeito. E aos olhos dos mais atentos não passarão despercebidas as miniaturas em madeira que Luís Filipe Gonçalves executa no dia-a-dia, alusivas à aldeia de Melo. Desde réplicas da sua casa de habitação ao pelourinho, passando pelo tronco do ferrador e pela capela da Misericórdia, o antigo carpinteiro dá asas à imaginação e garante que «trabalhos iguais a estes não há aqui ninguém que faça». Tanto assim que até já entregou uma miniatura ao Presidente da República com o M de Melo, Museu «e de Marcelo», acrescenta.
Mas quantas horas dos seus dias dedica à criação de uma só peça? Luís Filipe Gonçalves não consegue precisar, pois o trabalho «vai-se fazendo nas calmas, com tranquilidade», responde, admitindo que essa é a razão pela qual «as peças têm brilho» no final. E, de facto, não há nada melhor para este artesão do que terminar uma criação e fotografá-la: «Gosto de colocar as imagens no Power Point e enviar para as pessoas para verem a evolução daquilo que aqui é feito», declara o carpinteiro, a quem não pode faltar uma dose de dedicação e empenho. «São trabalhos feitos com muito carinho», garante Luís Filipe Gonçalves, que em 2011 chegou a construir duas plainas em madeira – uma com quatro metros de comprimento e outra com 34 milímetros – para concorrer ao livro Guinness dos Recordes.
Continuidade do museu pode estar em risco
O futuro que se avizinha não é risonho e o reformado, com 77 anos, teme pela continuidade do trabalho ao qual se entrega de alma e coração há 19 anos. «Eu não tenho familiares nem ninguém chegado que se dedique a esta área. E também não vejo ninguém em Melo que se inteire tanto da investigação como da divulgação de todo este trabalho», queixa-se o antigo carpinteiro, que não esquece a quebra acentuada da procura. «Eu tinha uma média de 600 a 650 pessoas por ano e agora não passa muito das 100, quando lá chega», lamenta o autodidata, que aponta o facto de Vergílio Ferreira ter parado de lecionar como uma das causas do decréscimo de visitantes, recordando que quando o escritor «estava nos liceus a freguesia era muito visitada», principalmente aos fins-de-semana.
Sara Guterres