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A falta de transporte público

Editorial

Há dez anos, um grupo de transportadores pesados bloqueou a saída do principal parque de armazenamento de combustíveis do país, o Parque de Aveiras, no norte de Lisboa, durante alguns dias e provocou a rutura do abastecimento ao aeroporto de Lisboa e a centenas de postos de abastecimento a nível nacional. Com essa posição de força vergou o governo e impediu que a escalada de preços continuasse.

Dez anos depois volta a haver ameaças dos pequenos transportadores pararem o país. Mas desta vez o governo está avisado, sabe onde, em 2008, se perdeu o controle da situação e não irá permitir a imobilização do acesso ao Parque de Aveiras. E atacou o problema como António Costa melhor o sabe fazer: não fazendo nada, mas prometendo tudo – e oferecendo aos que protestam e ameaçam apoios corporativistas que irão beneficiar os transportadores, mas não o universo de consumidores. Ou seja, os que reclamaram já têm gasóleo profissional menos caro e os demais irão continuar a sofrer uma carga fiscal acima de 60 por cento sobre o valor final dos combustíveis. Em Portugal o gasóleo já ultrapassou 1,40 euros, enquanto em Espanha, cujo rendimento per capita é substancialmente mais alto, o litro do gasóleo é vendido entre 1,15 e 1,20 euros.

Não devemos esquecer que as oscilações do preço do crude são a base do aumento do preço dos combustíveis (nos últimos 12 meses o crude subiu quase 50%). E também não devemos ignorar a depreciação do euro face ao dólar no último ano em cerca de 30%. Ou até que os custos de refinação em Portugal são muito altos (segundo a Galp…). Porém, “dez anos depois”, a carga fiscal passou a ter um impacto muito maior sobre o preço final: o ISP aumentou gradualmente ao longo dos anos, a Contribuição do Serviço Rodoviário foi reforçada, acrescentou-se a taxa de carbono, o IVA subiu de 20 para 23%, e por último, em 2016, o Governo aumentou o ISP para compensar a queda de receita fiscal com a descida do preço do petróleo. O primeiro-ministro prometeu então que, quando os produtos petrolíferos voltassem a encarecer, haveria uma descida do ISP. Esta promessa não foi cumprida. E é esta promessa que é urgente fazer cumprir. Com mais ou menos pressão dos transportadores, os portugueses que diariamente têm de utilizar a viatura para se deslocar estão a ser altamente penalizados. Estão a ter custos de contexto cada vez mais altos – com exíguos e diminutos transportes públicos e sem alternativas de transporte privado (e com os carros elétricos caros), obrigatoriamente têm de andar de automóvel, poluir o ambiente e pagar caro para ir trabalhar.

Entretanto, com os preços dos combustíveis muito mais baixos em Espanha, é toda a economia raiana que fica estrangulada. Quem reside a menos de 50 quilómetros da fronteira, vai abastecer a Espanha (economiza 20%), compra gás (a metade do preço) e acaba por comprar a carne, o peixe, o arroz, a fruta e tantos outros produtos alimentares. Enquanto os supermercados espanhóis da região fronteiriça estão cheios de portugueses às compras, os comércios das aldeias e vilas raianas estão vazios. Enquanto as vendas no comércio espanhol crescem alavancadas pelos combustíveis mais baratos, os comerciantes portugueses exauridos e sem clientes, fecham portas. As receitas fiscais afinal vão para o “lado de lá” e do “lado de cá” contribui-se decisivamente para a asfixia da economia e a destruição do emprego local. Não bastavam as portagens caras, «impávidos e serenos», assistimos calados a mais esta forma de acelerar o despovoamento.

Luis Baptista-Martins

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