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«No Festival do Vinho do Douro Superior só o Barca Velha não está a concurso»

Entrevista a Gustavo Duarte, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa

P – O que se pode esperar da sétima edição do Festival do Vinho do Douro Superior?

R – É um grande festival de promoção do vinho de excelência mundial e também de promoção do concelho e desta zona do Douro Vinhateiro, Património Mundial, e Região Demarcada mais antiga do mundo. Não me canso de o dizer: Vila Nova de Foz Côa é o único concelho totalmente integrado na Região Demarcada do Douro. Para esta edição as expetativas estão altas porque cada edição tem sido sempre superior à anterior em termos de visitantes, de adesão às iniciativas programadas e do concurso de vinhos. Este ano penso que também não fugiremos à regra porque o programa é bastante aliciante, temos algumas novidades, nomeadamente a presença do “Master of Wine” brasileiro Dirceu Vianna Junior. Só há 280 com este título em todo o mundo e é o único de língua portuguesa e estará em Foz Côa nos três dias do festival. Vai visitar quintas, conhecer os produtores. A sua vinda é uma aposta na divulgação internacional do certame, que é agora o nosso objetivo.

P – No sétimo ano podemos dizer que o festival já é, per si, um evento estruturante para a região?

R – Penso que sim e tenho essa perceção quando estou fora do concelho, sobretudo quando se aproxima a data do festival. De Lisboa ao Porto, toda a gente fala do Festival do Vinho do Douro Superior. O que me leva a dizer que esta aposta foi ganha em toda a linha porque, hoje, não há ninguém que não associe o festival do vinho ou Vila Nova de Foz Côa a uma capital do vinho, coisa que há sete anos muita gente não fazia. É por isso que digo – e nós queremos fazê-lo neste mandato, não o fizemos no ano passado porque coincidiu com o período eleitoral – que vamos candidatar Foz Côa a Capital Europeia do Vinho. Sei que é um projeto difícil, com um caderno de encargos bastante pesado, mas vamos apostar nisso para 2020, ano em que será escolhida uma cidade portuguesa. Temos alguma capacidade para concorrer e a qualidade dos vinhos aqui produzidos assim o exige. Se não houvesse outros benefícios, e há, muitos, este festival já contribuiu para associar Vila Nova de Foz Côa a uma região vinícola de qualidade excecional.

P – Passados estes anos, quais têm sido os contributos do evento para o setor nesta região e para o seu desenvolvimento?

R – A região tem grandes quintas e grandes marcas de vinhos instaladas solidamente no mercado internacional. Mas o que vemos nos últimos sete anos é que há cada vez mais jovens produtores e outros menos jovens a apostar em marcas próprias e a dar também alguma projeção aos seus vinhos. Portanto isto é sinal que efetivamente todo este ambiente da feira, ano após ano, cria algum incentivo aos produtores para avançarem com projetos próprios produção e comercialização da sua marca. Felizmente que em Vila Nova de Foz Côa, como no resto do Douro Superior, temos tido nos últimos anos jovens a apostar em novas marcas.

P – E é a autarquia a alavancar este produto tradicional graças a este festival.

R – Exatamente. Claro que temos outros produtos e eventos direcionados para a sua promoção. Talvez este ano façamos mais um festival sobre outro produto local e de excelência, mas agora estamos a falar do vinho. O que a autarquia faz é proporcionar aos nossos viticultores, especialmente os mais pequenos porque os grandes já têm capacidade para enfrentar o mercado, alguma divulgação e o que constatamos é o orgulho das pessoas. Há dois ou três anos um jovem enólogo que trabalhava numa cooperativa local criou a sua marca e na sua primeira participação foi ao concurso e teve logo uma medalha de prata. Ainda hoje recordo aquele brilho nos seus olhos! Trata-se de um festival de grande estatuto no setor porque – isto é dito pelos especialistas e pelos organizadores da Revista Grandes Escolhas – uma medalha de bronze em Foz Côa vale mais que muitas de ouro noutro lado porque realmente, e essa é também uma das facetas deste certame, é estão aqui os vinhos de topo. Só não está a concurso o Barca Velha porque todos os restantes sujeitam-se às provas cegas do concurso. Depois temos essa particularidade, que é importante, pois o público que vem à feira pode trocar impressões com os produtores e enólogos muito reputados, como os Souto Maior, Olazabal, Nicolau de Almeida ou Soares Franco. Todas essas pessoas fazem questão de estar presentes e este ano vamos ter ainda um especialista mundial, o “master of wine” Dirceu Viana Júnior. Se mais não fosse, só esta característica, esta proximidade e disponibilidade dos produtores, diferencia o Festival do Vinho do Douro Superior de outros eventos do género no país. No último ano tivemos oito a nove mil visitantes nos dois dias do certame, que se está a consolidar e a atrair cada vez mais pessoas. Este ano vamos ter, pela primeira vez, um programa de televisão em direto, o “Somos Portugal”, que a TVI transmite no domingo à tarde.

P – Admite também que o festival serviu para chamar a atenção do público em geral para o facto de Vila Nova de Foz Côa ter no seu concelho alguns dos melhores vinhos do mundo?

R – Sem dúvida. Uma das virtudes e impacto deste festival é precisamente esse, pois hoje Vila Nova de Foz Côa é associada a uma capital do vinho pela qualidade do que aqui se produz. Na primeira edição fizemos algumas conferências de imprensa fora da região e alguns jornalistas sorriam quando dizíamos que aqui se produziam alguns dos melhores vinhos do mundo. Ficavam mesmo surpreendidos quando lhes dizíamos que o Barca Velha e outros vinhos icónicos do Douro eram produzidos no nosso concelho. Só por esta notoriedade de Foz Côa já valeu a pena este festival, mas há muitos mais trunfos neste evento. Além do que é visível para quem vai à feira e prova os vinhos, há também um mundo paralelo que muitos dos visitantes não se apercebem com as visitas às quintas por jornalistas, críticos, comercializadores e elementos do júri do concurso. Há toda uma envolvência desta região que faz do festival uma referência em termos nacionais.

P – E há novos produtores no concelho?

R – Sim. Há produtores do Alto e do Baixo Corgo, também na Região Demarcada do Douro, que estão a fazer investimentos em Vila Nova de Foz Côa e no Douro Superior, onde construíram do zero belíssimas e emblemáticas quintas vitivinícolas. Se mesmo dentro da Região Demarcada produtores conceituados vêm para o Douro Superior por alguma razão será: é efetivamente pelo microclima, pelas características do solo e pela altitude, tudo isso gera condições ótimas para a produção de vinho nesta zona.

P – No Douro Superior ainda haverá espaço para novas vinhas, mas no concelho, em concreto, ainda haverá essa possibilidade?

R – Ainda há, embora isto esteja mais apertado em termos de regras e de licenças. O setor ainda pode crescer mais em Vila Nova de Foz Côa, onde a produção de vinho cresceu de forma exponencial nos últimos vinte anos. Há 20 ou 25 anos não se viam muitas vinhas no concelho. Em 2016 tive a oportunidade de dizer que, segundo dados da Direção Regional de Agricultura, foram investidos mais de 60 milhões de euros na vinha só no concelho de Foz Côa e desses, 1,5 milhões de euros envolveram uma dúzia de jovens agricultores. Houve adegas que se modernizaram e quintas, entre o Museu do Côa e Almendra, que até foram premiadas a nível mundial em termos de sustentabilidade ambiental, portanto não são projetos feitos de qualquer maneira. Em termos de crescimento vinícola Foz Côa será quase caso único nos últimos anos, claro que agora o crescimento tem de ser mais moderado mas ainda há espaço para este setor continuar a crescer. Por isso, com este festival, o município não fez mais que a sua obrigação porque esta promoção era uma lacuna que existia. Foi das primeiras coisas que lançamos quando tomei posse porque era obrigatório ter um festival do vinho em Vila Nova de Foz Côa e não uma festa da vindima, uma coisa muito popularucha. Era preciso dar prestígio ao setor e hoje o festival tem muita repercussão mediática. É uma aposta ganha, mas que tem que ser consolidada.

P – O que representa o vinho para o setor económico do concelho de Vila Nova de Foz Côa?

R – Representa muito. Infelizmente não posso dar dados mais concretos, mas posso adiantar alguns números porque efetivamente, em termos de exportação, Vila Nova de Foz Côa é dos concelhos do interior mais exportadores e tem crescido nos últimos anos. É claro que o vinho tem uma quota-parte grande nesta performance, mas mesmos esses valores muito bons ainda ficam muito aquém da realidade porque muitas das empresas que produzem aqui têm sede em Vila Nova de Gaia. Tendo a sede em Foz Côa, não tenho dúvidas que poderíamos multiplicar esses números por quatro ou cinco sem estar a exagerar. Por isso, em termos de exportações, o que está lá já é bom e podia ser muito, muito, melhor.

P – Um dia destes vamos ver Gustavo Duarte a reivindicar apoios ou discriminação fiscal porque as empresas produzem aqui mais pagam impostos e têm sede em Gaia?

R – Nós temos feito esse trabalho e posso dizer que há uma ou duas empresas que tinham sede em Vila Nova de Gaia e que hoje estão em Vila Nova de Foz Côa. O nosso trabalho é tentar sensibilizar os produtores e proprietários de quintas para trazerem as sedes das suas empresas para aqui, até porque têm outros benefícios, por exemplo, o nosso concelho não tem derrama. Já é uma vantagem, além das isenções do IMI, do IMT e dos propalados benefícios fiscais para quem se instale no interior. Temos tido algum sucesso, claro que o nosso objetivo é que venham cada vez mais para Foz Côa porque, no fundo, é pôr as coisas como existem na realidade.

P – Acredita, portanto, que é possível ter mais empresas ligadas ao vinho sediadas em Foz Côa?

R – É possível e alguns empresários têm-me dito que estão a analisar essa eventualidade e outros que já estão a tratar dessa burocracia para mudarem a sede para Foz Côa. Nessa altura, o concelho vai aparecer melhor em termos dos índices económicos, mas a riqueza produzida e a mão-de-obra já são uma realidade hoje em dia.

P – Para além do mundo do vinho, este concelho tem tentado criar, ao longo dos últimos anos, uma base de dimensão cultural que é rara no interior com o Cinecôa, o festival de poesia e o fado. A autarquia vai continuar a apostar nesta área?

R – Esses são exemplos que são realidades. Costumo dizer que queremos fazer de Foz Côa a capital cultural do interior, mas vamos ser um bocadinho comedidos. Pode ser uma utopia, mas tem que haver utopias para termos vontade de avançar e Foz Côa reúne esses requisitos. Somos um concelho com dois patrimónios mundiais, temos o mais antigo festival de poesia do país cuja 34ª edição decorreu no mês passado. Integramos aquele projeto da “Ópera no Património” com a Universidade de Coimbra, a Orquestra do Norte e os municípios da Batalha, Viseu, Leiria e Pinhel. Em setembro passado tivemos “O Barbeiro de Sevilha” na escadaria dos Paços do Concelho e em julho vamos ter mais duas ou três sessões de ópera, concertos nas escolas e nas freguesias. São quinze espetáculos de ópera por ano durante três anos. Este ano, em setembro, vamos também realizar a sexta edição do Cinecôa – que teve um interregno em 2017 devido às eleições autárquicas –, por onde já passaram realizadores de grande prestígio nacional e internacional e ao qual queremos dar mais divulgação. No Museu do Côa há uma exposição extraordinária de Júlio Pomar para ver até agosto. Portanto, há efetivamente uma componente cultural muito forte em Foz Côa e que é indissociável dos dois patrimónios mundiais. E espero que ainda este ano haja mais realizações, nomeadamente que Foz Côa, sendo o único concelho com dois patrimónios mundiais, seja palco de várias atividades referentes ao Ano Europeu do Património Cultural. Já fiz esse desafio ao ministro da Cultura, que se comprometeu em concretizar algumas iniciativas porque é forçoso que assim seja tendo em conta os pergaminhos de Foz Côa nesta área. De resto, apoiamos a candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura em 2027 e estou certo que quem estiver na Câmara por essa altura também se empenhará para termos uma participação ativa e dinâmica nesse processo porque haverá benefícios tanto para a Guarda como para Foz Côa. Também estamos a apostar na vertente do turismo paisagístico e de natureza, tendo realizado pela primeira vez, em março passado, um trail de quatro dias organizado pelo ultramaratonista Carlos Sá. O próximo trail está agendado para outubro e será de uma semana por toda a região. O município quer ainda tirar mais partido do Centro de Alto Rendimento do Pocinho.

P – Como está agora a Fundação Côa Parque e a gestão do museu e do parque arqueológico?

R – Está a correr bem. Agora há dinheiro suficiente para ir fazendo o que é preciso e há um Conselho Diretivo, que a Câmara integra como membro fundador da Fundação, reforçado com a participação dos ministérios do Ensino Superior e da Secretaria de Estado do Turismo. Há projetos, e bastantes contactos a nível nacional e internacional e muita dinâmica em termos de exposições e atividades, espero que assim continue porque perdemos alguns anos. O Museu do Côa e o parque arqueológico são, sem sombra de dúvida, uma mais-valia para o nosso concelho, para a região e até para o país, que vai ser reforçada com a criação dos passadiços do Côa, que estão na fase de adjudicação do projeto.

P – Falar de vinho é também cada vez mais falar de enoturismo. Como está este setor no concelho e o que pode fazer a autarquia para o promover?

R – Há crescimento e há projetos muito interessantes para o concelho. Inclusive, as três estações de caminhos-de-ferro desativadas entre o Pocinho e Barca d’Alva vão acolher alguns. Duas delas já têm projetos a andar, um ligado ao enoturismo e outro também ligado à observação de aves. Estou a falar das estações de Almendra e Castelo Melhor, que já estão contratualizadas com as Infraestruturas de Portugal. A Câmara teve o cuidado de levar as pessoas interessadas à IP e neste momento temos a confirmação que estas duas estão já em andamento com candidaturas e obras para muito breve. Quanto à estação do Côa havia um investidor interessado em fazer ali um restaurante de topo e agora com o projeto dos passadiços, que vão terminar mesmo naquela estação, penso que estarão reunidas as condições para aquela infraestrutura ser aproveitada para o turismo. Nesta área, tanto os dados disponibilizados pela Fundação Côa Parque e pelo nosso posto de turismo mostram um crescimento significativo de turistas em Foz Côa este ano. É a confirmação do que ando a dizer relativamente ao potencial enorme do concelho em termos de turismo com o Douro Vinhateiro, as gravuras rupestres e o Museu do Côa. E é a prova de que esta é uma região de futuro.

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