Durante dois dias, a Escola Superior de Educação da Guarda (ESEG) foi palco da primeira homenagem a nível nacional ao general Adalberto Sousa Dias, que chefiou o primeiro “25 de Abril” falhado, como ficou conhecida a revolta do Porto em Fevereiro de 1927. Um dos principais convidados deste ciclo de debates, promovido no âmbito dos 30 anos do 25 de Abril, foi o antigo Presidente da República, Mário Soares, que, na última terça-feira, teceu rasgados elogios ao general que se encontra sepultado no cemitério da Guarda.
Soares relembrou que Sousa Dias, «uma figura que honrou a República e a Democracia», foi «uma referência» para a geração do seu pai – João Soares – que exerceu o cargo de Governador Civil da Guarda durante mais de um ano na primeira década do século XX. Para o antigo Presidente da República, o auditório Carreira Amarelo presenciou o «acto patriótico» de prestar uma «merecida homenagem» a um homem «de uma verticalidade absoluta». Mário Soares, que Joaquim Brigas, director da ESEG, apelidou de «pai da democracia portuguesa», recordou ainda ter sido na Guarda que ouviu falar «pela primeira vez» de Sousa Dias, mais concretamente na casa de João Gomes, advogado e opositor à ditadura falecido no ano passado. «Tinha eu 20 anos e vim à Guarda com o meu pai a uma reunião do Movimento de Unidade Democrática (MUD)», lembrou. Deste modo, Soares sentiu-se «muito honrado em participar» numa homenagem a «esse grande homem» que participou em «muitas revoluções» desde o 28 de Maio de 1926. Foram vários os antigos militares, historiadores, políticos e familiares que no início desta semana prestaram homenagem a Sousa Dias.
João Gomes omnipresente
Na segunda-feira, Humberto Sousa Dias, neto do homenageado, sublinhou que a sua família estava «eternamente grata a João Gomes» por este ter tratado ao longo dos anos do jazigo no cemitério da Guarda. Numa evocação bastante emocionada, o arquitecto referiu-se ao seu avô como sendo uma pessoa com uma «força de carácter muito grande, porque estava para ser preso e mesmo assim não fugiu». Uma imagem que o neto nunca esqueceu, a par da forma como o féretro regressou a Portugal, «escondido no fundo de um vagão de mercadorias e em grande sigilo». Uma «injustiça» praticada pela calada da noite e preservada na memória da família. O caixão foi desembarcado na estação de caminhos-de-ferro da Guarda e rapidamente transportado para o cemitério local, tendo tido em João Gomes, mais uma vez, uma das únicas testemunhas do acontecimento. E porquê a Guarda? Humberto Sousa Dias adianta que a cidade foi escolhida por aqui residir «há algum tempo» a sua avó. De resto, também os corpos da esposa do general e das suas duas filhas se encontram no cemitério da Guarda num jazigo que pertenceu à família Proença Abranches. «Estão finalmente todos reunidos e não faz sentido que o corpo do meu avô seja transladado para outro local», defende, sublinhando por isso que a haver uma homenagem nacional ao general, ela terá que acontecer na Guarda.
Já o professor universitário António Arnaut, também Grão Mestre da Loja Maçónica do Grande Oriente Lusitano (GOL), aproveitou a homenagem para relembrar que Sousa Dias era “maçon” e constatar que as primeiras revoluções em Portugal foram «sempre inspiradas ou idealizadas por elementos da Maçonaria». Considerou, por outro lado, que o país «ainda não lhe pagou a divida que tem para com ele», enquanto Vasco Lourenço, capitão de Abril e presidente da Associação 25 de Abril, uma das promotoras da iniciativa, evocou Sousa Dias como um dos «exemplos que inspirou os “capitães de Abril”, mas também como a imagem da ingratidão para quem tudo arriscou». Ainda na segunda-feira, o professor Lima Garcia propôs que fossem feitas diligências para que a Câmara da Guarda venha a atribuir o nome de Sousa Dias a uma rua da cidade. Por último, António José Dias de Almeida garantiu que o general «nuca foi esquecido na Guarda», tendo sido anualmente relembrando por ocasião do 5 de Outubro numa romagem ao cemitério impulsionada por João Gomes para recordar os democratas falecidos.
Ricardo Cordeiro