Em Portugal, sempre houve famílias com “jeito” para a finança. E inclusive depois das nacionalizações houve habilidade política e abertura dos revolucionários para a dinamização da banca – aliás, é neste contexto que a família Espírito Santo regressa a Portugal, incentivada por Mário Soares, e é precisamente o então primeiro-ministro socialista que garante em França o apoio financeiro àquela família. Foi assim que, posteriormente, nos anos oitenta e noventa, se desenvolveram grupos financeiros, se promoveu a privatização da banca e apareceram vários novos bancos privados, do BCP ao Banco Mello. Ao entrarmos no século XXI houve uma reestruturação da banca e parecia que, na generalidade, as instituições financeiras portuguesas eram sólidas e idóneas. Puro engano!
O BPN, que crescera de forma exuberante e rápida, é o primeiro onde se identificam ostensivamente as promiscuidades entre o poder político e a banca – e é nessa promiscuidade entre a política e os negócios que a banca portuguesa estremece e quebra. O BPN é o primeiro a provocar um abalo sistémico na banca portuguesa supostamente idónea, regulada e bem gerida: Há dez anos discutia-se se o banco devia falir (fechar) ou se o melhor era a “entrada” do Estado para “salvar” o sistema financeiro. O governo entrou onde não devia, não salvou nada, a não ser os interesses dos que comiam à mesa do BPN, e custou aos contribuintes mais de sete mil milhões de euros. A partir daí os governos outorgaram-se a obrigação de salvar bancos com dinheiro público: um desastre nacional.
Entretanto o Lehman Brothers caiu, o sistema financeiro mundial ruiu, o país acelerou para o abismo, a crise destapou as muitas aldrabices escondidas debaixo do tapete e pôs a nu as debilidades e habilidades praticadas na banca portuguesa, mas o mais impressionante é que nada aconteceu aos responsáveis. Caiu o Banco Privado Português, onde Rendeiro era o arquétipo do financeiro mais esperto da praça, mas manteve intacta a sua fortuna pessoal, feita à base de “espertismo”, e caiu o “dono disto tudo”, Ricardo Salgado, que geria o maior buraco de Portugal sem ninguém dar conta, com o apoio de tudo e todos, arrastando a maior empresa portuguesa, a PT, numa fartar vilanagem vergonhosa e irresponsável (o Novo Banco anunciou 1.395 milhões de prejuízo em 2017; já perdeu mais de 3.500 milhões em três anos; recorde-se que esse era o “banco bom” que sobrou do BES). E a Caixa Geral de Depósitos, banco público que serviu para colocar ex-governantes e camaradas de partido (do PS, do PSD e do CDS), emprestou milhões aos amigos e cuja sobrevivência já custou mais de 3,9 mil milhões aos contribuintes, sem que Santos Ferreira, Armando Vara, Celeste Cardona e outros ilustres tenham sido responsabilizados pelo assalto. Na última década os contribuintes portugueses já colocaram na banca cerca de 20 mil milhões de euros, mas os grandes devedores continuam impunes sem terem de pagar um cêntimo, chamem-se Joe Berardo, Luís Felipe Vieira ou José Guilherme.
Estranhamente, muitas pessoas criticam o abandono das quintas que o ex-BES tinha na Beira Baixa (após uma excelente reportagem de Madalena Ferreira na SIC) onde os Espírito Santo e amigos gastavam milhares de euros em fins de semana de luxúria – aquilo que alguns teimam em ver como turismo cinegético (a caça é hoje um feudo de privilegiados) e aposta no desenvolvimento rural, não era mais do que um circo luxuoso suportado pela promiscuidade na banca – um desastre nacional que custa milhões a todos os portugueses. Não havia dinheiro para pensões, para combater a pobreza, para aumentar o salário mínimo, para a saúde ou a educação, mas sempre houve para os bancos, para pagar os vícios dos ricos, as idas à caça dos privilegiados e os fins-de-semana de fausta luxúria nas quintas dos Espírito Santo em Idanha ou Monfortinho ou a brincar aos pobres na Comporta.
Luis Baptista-Martins