Agora que o país foi obrigado a descer da euforia estratosférica em que se deixou flutuar nas últimas semanas, vale a pena lembrar que é preciso regressar às coisas mais prosaicas e contraditórias de que é feita a realidade do dia a dia. Não tenhamos dúvida, os unanimismos de um clube nacional de futebol, de que muitos se procuraram avidamente aproveitar, são ilusórios e não têm paralelo quando o que está em causa são os assuntos da res publica. Que tal uma crise política, para começar? Nem sequer estou certo de que esta euforia venha alimentar o dinamismo e a auto-estima de que muitos dizem que carecemos e repercutir-se sobre a vida da comunidade nacional, de todos nós e do que fazemos. A não ser que percebamos que embora absolutamente decisivas, as vitórias do dia a dia são mais anónimas e não são festejadas na praça pública.
O unanimismo cego em torno da vitória, a utilização da bandeira e o entoar do hino até ao ponto em que o próprio simbólico se desgasta, tudo parece mais uma fuga à realidade do que comunhão num verdadeiro projecto. A realidade, essa, é feita de oposições constantes e em que todos não podem estar sempre do mesmo lado. A realidade, essa, raramente nos coloca a todos a empunhar uma mesma bandeira e a cantar um mesmo hino. Isto não quer dizer que o que se passou nas últimas semanas tenha sido menos real ou menos relevante; tão-só que é preciso distinguir o futebol do resto. E é no resto que se disputa e decide o essencial do futuro do país e das suas comunidades.
Agora que o país foi obrigado a aterrar, e que já é possível falar de outras coisas, também é difícil esquecer de que forma a euforia futeboleira foi manipulada, instrumentalizada e posta ao serviço da demagogia por alguns populistas de serviço, sempre ávidos de demonstrar que o futebol não é só futebol. Se a demagogia é a capacidade de vestir as ideias menores com as palavras maiores, como dizia Lincoln, foi a demagogia desatada que desceu à rua e ocupou os meios de comunicação nas últimas semanas. Depois de o país ser obrigado a aterrar, a euforia nacionaleira promovida de fora do ‘balneário’ voltará a ser invocada para demonstrar (pois estava-se mesmo a ver), aos mais cépticos como aos mais crentes, que a retoma já chegou…
E no entretanto, no passado dia 30, foi finalmente constituída a Comunidade Urbana das Beiras, sem foguetes nem carros na rua a contribuir para o aquecimento global. Não terá o carácter épico de um campeonato europeu de futebol, mas espera-se que venha a ter muito mais impacto para as gentes da Guarda, de Figueira de Castelo Rodrigo, de Penamacor ou da Covilhã. Apesar do cepticismo justificado que rodeia o projecto, espera-se que os autarcas se empenhem com espírito de serviço no sentido de ultrapassarem os problemas e os interesses divergentes que por vezes ensombrarão o caminho. E o maior desafio de todos: que saibam levar o projecto do papel à cidadania e dar-lhe conteúdo real. Essa é também a sua maior responsabilidade.
Por: Marcos Farias Ferreira