Já repararam como no “feed” de notícias do Facebook, para além das coisas que os amigos partilham, vão aparecendo notícias e publicidade? E que essas notícias e publicidade parecem especialmente dirigidas a cada utilizador? Chama-se a isso inteligência artificial e tem a ver com o famoso “algoritmo”. Este recolhe informação sobre nós a partir das coisas de que gostamos, ou que partilhamos, ou compramos a partir da publicidade que nos é dirigida, construindo um “perfil” (outra palavra chave).
Como alguém uma vez disse, se na internet alguma coisa nos é oferecida é porque o produto somos nós. É por isso que o Google (agora Alphabet) e o Facebook nos oferecem email gratuito, aplicações gratuitas, uma rede social gratuita. Segundo alguns rumores, o algoritmo do Google é, ou era, aplicável ao conteúdo dos emails dos utilizadores, também para “afinar” o seu perfil. Pode ser que não, até porque isso implicaria uma grave violação de privacidade, mas com algoritmos, ou com “cookies”, esses espiões eletrónicos impostos pelos sites que visitamos, a internet vai acumulando um volume gigantesco de informação sobre nós, todos aqueles que a usam e essa informação tem sido utilizada.
A “big data”, a soma de toda essa informação sobre os utilizadores que permite depois, no regresso ao indivíduo, apurar detalhes de que nem este se apercebe, na sua vaidade ou na sua inconsciência, está a começar a ser utilizada para muito mais do que vender mercadoria. Essa informação permite saber, de um qualquer bronco do Midwest, por exemplo, que é adepto de teorias de conspiração e por isso recetivo a histórias da carochinha, que gosta de armas, que se declara religioso, que tem ódios de estimação. Sabendo-se que ele recolhe toda a informação do Facebook, que não lê jornais, há apenas que lhe dar o que pretende. Com o conhecimento do perfil deste eleitor e de muitos outros, e a falta de escrúpulos de quem os utilizou, foram espalhadas por milhões de eleitores histórias falsas sobre Hillary Clinton (histórias que iam da corrupção à pedofilia). A Cambridge Analytics, paga pela campanha de Donald Trump, comprou dezenas de milhões de perfis do Facebook e preparou milhares de histórias falsas, ou grosseiramente deturpadas, adaptadas a cada um dos destinatários de acordo com as suas características, de modo a mudar a opinião dos indecisos. Na campanha do Brexit aconteceu o mesmo, ao ponto de convencerem a votar a favor da saída do Reino Unido da União Europeia precisamente aqueles que iriam ser mais prejudicados com essa saída.
A conjugação da mentira com a estupidez e a ignorância está a ter resultados desastrosos. Os eleitores estão a ser enganados numa dimensão nunca vista, ou imaginada. A manipulação da opinião pública, sempre uma tentação dos políticos, é agora possível de uma forma mais requintada que nunca. Mais do que nunca, precisamos de jornais. Num jornal, por exemplo neste, o que se escreve fica e tem o rosto de quem o escreveu. Se mentir, será envergonhado pelos seus pares e pelo público informado, ficará ligado para sempre ao que tiver escrito e poderá ter de responder por isso em tribunal. Os maiores jornais têm profissionais encarregados de verificar os factos objeto das notícias e dos artigos de opinião, os mais pequenos têm pelo menos os editores. No Facebook, o que está escrito hoje, por não se sabe muito bem quem, depois cegamente replicado, pode ser apagado amanhã – e ninguém se preocupa muito, sobretudo o autor, sobre se é verdade ou apenas exagerado. Para aumentar a impunidade, contratam-se “trolls” russos para publicarem notícias falsas no Facebook, no Twitter ou em qualquer outra rede social.
Por tudo isto, temos obrigação de continuar a comprar e ler jornais, em papel ou online. Ou o leitor acredita mais nas caixas de comentários do Facebook do que n’O INTERIOR?
Por: António Ferreira