Edita Gruberova, aclamada soprano coloratura que marcou intensamente o público nas últimas décadas, é fascinante. A sua voz afigura-se verdadeiramente elástica, ilimitada, infinita, tanto forte e volumosa, como melodiosa e subtil, segundo a vontade da artista e o domínio implacável do seu instrumento. Trata-se, sem qualquer dúvida, de uma artista completa e excelente. Em todas as suas performances que já ouvi (e vi), encontro uma refrescante honestidade interpretativa que muito admiro e percebo-lhe um contentamento ao cantar, um sentimento de pertença à sua arte, uma tal realização que imagino que o palco e o Canto são de facto a sua casa, o sítio onde é feliz.
É capaz de uma coloratura repleta de expressividade e de uma tal subtileza e qualidade que até as notas sobreagudas (dó 6 do piano ou mais agudas) são por ela encaradas com uma confiança absoluta e cantadas com um grande volume e sem a mais pequena falha, como se de algo fácil se tratasse. São habituais e esperadas das sopranos coloratura estas notas agudíssimas, mas o domínio total e a capacidade de as potenciar artisticamente de Gruberova são de facto algo extraordinário. O controlo que demonstra não descura a sua intensidade interpretativa, nem o seu atributo artístico. É uma música extremamente precisa e rigorosa, mas o significado das palavras que canta invade-a visivelmente, e é transmitido na medida certa. Todo o seu rigor e perfeccionismo coabitam, num equilíbrio que é a marca dos grandes músicos, com a expressão livre da sua emotividade, algo que nos é a todos tão íntimo e que por isso gera em nós tamanha comoção. Este equilíbrio é fundamental, revelador do bom gosto e da exigência do intérprete; é a negação do exagero, do melodrama, do sentimento exacerbado “atirado” ao público sem medida e sem elegância.
Na área do canto lírico fazer com que o público se emocione até às lágrimas acontece com frequência; fazê-lo rir é algo muito mais difícil, que exige carácter, desenvoltura, à-vontade em palco, e, acima de tudo, uma imensa imaginação. Gruberova é a intérprete que mais me fez rir até hoje. Tudo o que faz é de uma grande originalidade, de uma qualidade rara e muito difícil de igualar. O deslumbrante domínio total da sua voz exige, com certeza, uma vida dedicada a ela, pois só um trabalho devoto e permanente possibilita a concretização de um génio como ela o é. Cada nota é perfeitamente medida, cada linha melódica é potenciada ao máximo da sua beleza, cada frase é sentida e expressa com coragem e clareza. No final, o público fica invariavelmente, e justamente, em êxtase.
Joana C. Pereira
N.R.: Joana C. Pereira inicia nesta edição uma colaboração mensal com O INTERIOR. Com 23 anos, é natural de Viseu e estudante de mestrado em História, Relações Internacionais e Cooperação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Estuda música – a sua maior vocação – desde os 6 anos de idade e está prestes a terminar o curso de Canto do Conservatório de Música do Porto, onde também estuda canto lírico com a professora Palmira Troufa.